'O Zezinho e a Carrocinha de Jornais do Bixiga'
O final da década de 50 e os meados da de 60 foram muito marcantes em minha infância no Bixiga. Na minha querida Rua Santo Antonio, na entrada de uma "maloca", que ficava em frente à farmácia Osvaldo Cruz, de meu amigo Álvaro (esquina da Cons. Ramalho), tinha uma banca de jornais e revistas do também amigo "Pernambuco". Era um "cabra" alto, bem espigado, cabelos pretos, bem lisos e acentados com "Glostora" (creio eu) e bigodes fininhos.
Maloca essa onde também morava meu amigo Delmar Bento Rufino (cadê você, Marzinho?). A vizinhança era boa. Tinha o português, seu Joaquim Frazão (do bar, pai do Augustinho e da Maria), a lojinha de aviamentos de dona Maria, a mercearia "Paris", do meu "tio" Jabra Chaebo e sua esposa Karime (sírios de origem), a fábrica de espelhos São Pedro (esquina com o viaduto Martinho Prado), enfim, pessoas que hoje se tornam personagens de nossas histórias.
Um outro personagem a fazer parte dessa minha narrativa é o "Zé Jornaleiro", ou "Zé do Carrinho", ou "Zezinho", não importa. Também não sei se era esse o seu verdadeiro nome, eu o conheci assim. Era um sujeito de pequena estatura (baixinho mesmo), bem disposto, alegre e muito brincalhão. Periodicamente (não me lembro se semanal ou quinzenalmente), o Zezinho partia da banca do Pernambuco, depois de separar alguns exemplares das revistas Manchete, O Cruzeiro, Fatos & Fotos, além de outras publicações e alguns jornais, com destino às ruas da Bela Vista, onde moravam os fregueses deste "little delivery man".
Não foram poucas as vezes em que eu, ainda guri, me prontificava em acompanhá-lo, empurrando sua pequena carrocinha de entrega, sem importar-me do quão longo seria o itinerário. Começávamos pela Rua Santo Antonio (lá vai Manchete, lá vai jornal), Almirante Marquês de Leão (lá vaio O Cruzeiro, lá vai jornal, lá vai revista), Rua Rocha, Dr. Seng, Pamplona, Itapeva, novamente Rua Rocha, Praça 14 Bis, Avenida Nove de Julho, Rua Avanhandava, e por fim Rua Santo Antonio, novamente, até que todas as entregas fossem concluídas.
Fazia essa "maratona" alegre e satisfatoriamente, sem nada cobrar ou pedir. Era o mais puro prazer poder empurrar a carrocinha do Zé e, quando uma ou outra ladeira íngreme se aproximava, ele me auxiliava a vencê-la. Sempre foi assim, durante todo o trajeto, eu a empurrar a pequena condução e ele ziguezagueando de uma calçada para outra, a entregar as publicações. O doce da efêmera aventura anunciava o seu final quando o carrinho ficava mais leve nas subidas (as entregas estavam terminando), e quando atingíamos a Rua Avanhandava.
Pronto. De novo na banca do Pernambuco, depois de algumas horas neste acidentado "circuito", um jornal pendurado e com suas folhas farfalhando ao vento, preconizava em minha imagem infantil uma bandeirada de chegada, anunciando que a "corrida" terminaria ali. O prêmio dessa "empreitada"? Nenhum. Ou, pelo menos, materialmente, para mim, nada seria mais gratificante do que você poder estar acompanhado de quem você gosta e de quem goste de você.
Ao fazer esse trajeto, eu seguia admirando as casas e suas arquiteturas, a topografia das ruas, refrescava-me à sombra de uma ou outra árvore bem frondosa (viva a natureza e louvo à Deus), que generosamente emprestava sua sombra para um breve descanso e depois, "caminho da roça", como dizia o velho Zezinho. Sentia a empatia de uma jornada árdua, mas, a vitalidade de criança é algo inexorável e inexplicável.
Sim, um prêmio de consolação. Um bombom ou maria-mole, ou paçoca ou qualquer outra prenda, que eu, num misto de felicidade e do "dever cumprido", aceitava com a maior alegria do mundo, passando a devorá-lo enquanto me dirigia pra casa.
Certa vez, da janela de minha casa, apreciando o movimento da rua, avistei ao longe o Zezinho e seu carrinho de entregas, repleto de revistas, jornais e outras publicações, seguindo, Rua Santo Antonio acima. Me pareceu que estava um pouco cansado, mas eu nada poderia fazer por ele neste dia. Estava adoentado e febril. Minha mãe, lá do fundo da cozinha, me chama a atenção e aos cuidados de não tomar a friagem da rua. Digo-lhe que está tudo bem e que não se preocupasse. Volto o meu olhar para a rua novamente, Zezinho sumiu ao longe. Vai, desta feita, sozinho, entregar suas encomendas, mais uma vez pelas ruas Santo Antonio, Almirante Marquês de Leão, Rua Rocha...
O tempo passou. Os tempos mudaram. Hoje, não tem mais Zezinho. Nem seu carrinho de entregas. Os fregueses, assim como eu, devem dispor de um computador acessado a uma internet. As ruas daquele antigo trajeto ainda estão por lá, modificadas, descaracterizadas daqueles tempos, é verdade, mas estão lá. As casas e suas belas arquiteturas cederam seus terrenos a mais um "espigão" moderno. Espero que as frondosas árvores e suas sombras tenham sido poupadas da agressão progressista da modernidade e da praticidade.
O Zezinho? Não sei mais dele, e nem do Pernambuco. Se estiver entre nós, que desfrute a sua aposentadoria na paz e tranquilidade. Mas, se por acaso tenha nos deixado, espero que esteja ao pé de uma frondosa árvore, rodeada de anjos, lendo as boas notícias, pois que, as más notícias, que fiquem por aqui mesmo.
Se alguém conheceu esse personagem da Bela Vista, ou sabe de alguma informação de seu paradeiro ou de seus familiares, não hesitem em me informar. Consideração, respeito e admiração se cultivam desde muito cedo e esta é uma forma que encontrei, neste maravilhoso site, para homenagear a simplicidade das pessoas que me foram muito importantes em minha vida.