LAPSO DE LUCIDEZ
Outro dia, estava numa viagem curta, de automóvel, junto a um advogado experiente, renomado e culto, e um empresário que faz parte do seleto grupo de homens mais bem sucedidos, economicamente, da região. E, como é comum nessas circunstancias, as conversas vão escapando da objetividade e acabam vagando e até tomando o rumo do vão filosofar.
E nessa viagem aconteceu algo inesperado. Dito empresário, magnificamente bem sucedido, carrega junto as suas fartas contas bancárias e ao seu vasto patrimônio, os hábitos e a imagem de um homem absolutamente frio, austeridade extrema, arrogância quase nefasta e insensibilidade exacerbada, tendo no lucro o único norte de suas atitudes; um homem que a cada mês acumula mais e mais dinheiro e a cada dia quer mais e mais. Um homem que está ativo e trabalhando dezoito, vinte horas por dia. Que vai caminhando e massacrando a tudo e a todos como se fosse um rolo compressor, sempre em busca de mais lucro e dinheiro cumulativo. Um homem que está com seus cinqüenta e poucos anos.
E eis que de repente, não mais que de repente, o homem de coração de aço e bolso farto, em meio às conversas soltas, fala que havia assistido na noite anterior, uma reportagem sobre a tragédia ocorrida no Rio de Janeiro, quando centenas de pessoas tiveram perdas das mais diversas. E demonstrando uma sensibilidade emocional incomum, que jamais havia assistido, apesar de uma convivência próxima e constante, contou que havia refletido muito sobre um senhor, cuja casa havia sido soterrada, consumindo absolutamente tudo que havia adquirido até então e que não era nada além de uma simples casa com móveis e pertences. Contou que dito flagelado queria apenas uma coisa: ter saúde e a proteção de Deus para poder trabalhar e conseguir reconstruir sua casa para poder acolher sua família.
Ouvi, então, gratificado e surpreso, o famoso e bem sucedido empresário, desvestido de sua imponente austeridade, refletir e ponderar: “poxa, eu que tenho tanto e ainda quero tanto, fiquei pensando que aquele senhor flagelado queria e seria feliz com apenas a possibilidade de reconstruir sua casa”.
Será que a idade é que já iniciara o processo de humanização e humildade do rico empresário?
Será que a ganância tem limite e tempo? Ou será que é inevitável que a consciência vá martelando e vencendo a ambição desmedida?
Será se o bom senso e a lógica humana, independente dos caminhos trilhados, levam os homens a reconhecerem os valores e os sentidos da lógica do “ser Feliz”?
Evidentemente que, passado o rápido lapso de consciência, a conversa retornou ao caminho do lucro e do quero mais, muito mais. Mas, é provável que esse surto de senso humano emirja com mais freqüência daquele coração de pedra e moedas e o faça ir melhorando sua vida, na busca pelo “ser feliz” e não pelo enricar cada vez mais. Provavelmente o tempo o fará olhar mais o espírito e menos a matéria.