Sete horas no portão

Naquela época eu ainda nem sabia o que era força de vontade, mas às seis e alguns quebradinhos eu tinha de me levantar. Antes mamãe me chamava e cutucava meus ombros para que eu levantasse logo, mas depois de um tempo você só é criança pra ficar acordado até tarde e é grande o suficiente pra acordar sem alguém lhe cutucar. Tudo isso, e eu nunca achei que fosse pouco, só para estar às sete horas no portão. E desde que tive de me levantar sozinha, o jeito era todos os dias arrumar algum compromisso pra levantar de manhã e antes que o despertador tocasse o seu “Shiny, Shiny leather...” eu dizia pra mim mesma que hoje seria um dia importantíssimo. Eu sempre menti de manhã. Tudo isso, e eu nunca achei que fosse pouco, só para estar às sete horas no portão.

Sempre tive tanta inveja daquela grande meia dúzia que não se incomodava em chegar atrasada, meia dúzia só na opinião dos coordenadores que sempre se referiam à “meia dúzia de gatos pingados”. Por que não diziam logo que a maioria dos alunos não se importava com o horário? Acho que seria duro demais à eles admitir que fora eu e uma real meia dúzia, ninguém ficaria tão chateado assim em ficar do lado de fora do portão. Tudo isso, e eu nunca achei que fosse pouco, só para estar às sete horas no portão. E não importava quantos ficassem do lado de fora, a meia dúzia nunca chegava às sete, talvez eles soubessem e usassem a importância dos alunos para a escola, eles não deixariam todos de fora, não teria ninguém pra cantar o hino às quartas.

E quanto mais as semanas e depois os meses se passavam, mais raiva eu tinha do maldito horário. Até quando me levantava mais cedo não tinha tanta raiva comparado ao que sentia por aquela hora, a tal das sete horas. Quem sabe não fosse o horário que me incomodasse, podia ser a expectativa do que se seguiria. Depois das sete, quando já não estava mais no portão, eu até não me importava mais e assim como às sete me irritava, às nove e meia era, às vezes, minha hora predileta. Por incrível que pareça, nunca gostei de meio-dia e vinte e suas variações. Deve ser só uma questão de compatibilidade.

O fato de até certa notabilidade é que mesmo odiando a tal história de sete horas no portão, ainda me acordo às seis e uns quebradinhos e vou esperar no portão e nem deve ser tanta vontade só de aprender. Mas o que eu faria depois de me levantar às seis e uns quebradinhos? Tudo isso, e eu nunca achei que fosse pouco, só para estar às sete horas no portão.

Beatriz Brandão
Enviado por Beatriz Brandão em 06/05/2010
Código do texto: T2240952
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.