E o meu rádio ligado

Eu nem bem tinha me empenado, mal tinha saído dos cueiros como já dizia minha mãe. Ah! E como era linda a cena de minha mãe com um radinho à pilhas ligado, cantarolando algo como Pixinguinha. Como aquela mulher gostava de um chorinho logo cedo! Ela cantava à plenos pulmões e eu só acompanhando, ouvindo “carinhoso” ao lado daquela visão.

E eu cresci, mas nunca me esqueço dos versos, nem sequer do ritmo e do tom a qual ela cantava. Como alguém desafinando tanto podia ter aquela imagem tão maternal e tão angelical lavando roupas de manhã? Nunca soube, mas continuo achando que era o amor que ela emitia, até quando lavava uma pilha de roupas. Até hoje só lavei roupas com o rádio ligado e cantei à plenos pulmões quando Pixinguinha tocava.

Quanta tristeza quando brigávamos e ela não me acordava cantando. Não entendia na época, mas ela sempre tinha razão, até quando estava errada, acho que só compreendi quando tive meus próprios filhos e lavei minhas próprias roupas. Engraçado, eu ainda dei as mesmas broncas nos meus filhos e ainda dou nos meus netos. Mas as coisas mudaram tão drasticamente. Agora uns ousam a dizer que o rádio morreu. Minha mãe preferiria a própria morte ao ver o rádio morrer, talvez por isso ela não esteja mais aqui, ela não suportaria uma manhã sem Pixinguinha no radinho à pilhas.

Eu ainda ouço rádio de manhã, mas não dou sorte de ouvir Pixinguinha. Até pela Internet tem como ouvir agora! Aí sim eu posso ouvir “carinhoso”. Não vejo nada do que inventaram de mais ou melhor depois, como a morte do rádio. Apesar de tudo tenho meu radinho, porque o rádio é assim e ninguém sabe mesmo o porquê, mas não importa como, o rádio ainda atrai qualquer um pra perto dele, quem sabe é consequência de tantos anos de memórias ligadas a ele. Todo mundo tem uma música, um momento, um instante que seja, que o radinho estava lá, de testemunha. O radinho de pilha já viu tanta coisa e, tenho certeza, é por isso que ele tem tanta história pra contar.

Beatriz Brandão
Enviado por Beatriz Brandão em 06/05/2010
Reeditado em 06/05/2010
Código do texto: T2240932
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