A cordialidade brasileira

Houve tempo em que se acreditou que o povo brasileiro era o mais cordial do mundo. A vida inteira acreditei neste mito e tinha como apoio a tese do sociólogo Buarque de Holanda. Só que a interpretação correta a respeito da cordialidade é bem diferente do que o vulgo costuma pensar. Não é aquela cordialidade próxima à bondade e que faria de nossa gente o povo mais bondoso do mundo. A tal cordialidade analisada diz respeito ao coração, sim, porém com outro significado: foi a descoberta de que nós, brasileiros, costumamos reagir mais com o sentimento do que com a razão. Somos emocionais e por conta dessa emoção, muitas vezes descontrolada, agindo por impulso, cometemos os nossos desatinos e não atos bondosos, como parecia indicar a tese do sociólogo. Segundo os nossos familiares mais velhos, esses sentimentos à flor da pele, que poderíamos chamar mais de “sentimentalismos”, nós herdamos dos portugueses, capazes de ao mesmo tempo extravasarem muito amor, no bom sentido, como também apelarem para o desforço físico. É por isso, com todo o respeito e também com muita graça, que falamos ainda hoje que a “psico-paulogia” em certos momentos deve ser aplicada na educação. Claro, antes que meus leitores me lancem “pedras bíblicas”, vou logo dizendo que isso é um exagero e as pessoas equilibradas jamais cometem tais desatinos. Eu mesmo, avesso à violência, em toda minha vida, só dei uma escassa palmada no “bum-bum” da minha filha mais nova Alessandra, na época de criança, que se mostrava por demais irrequieta, o que me custou um dia inteiro de remorso. Danuza, a mais velha, jamais necessitou desse “corretivo”. As duas estão aí vivas e saudáveis e podem atestar o que estou dizendo. Há que equilibrar emoção e razão. Portanto, não ficaria tão a favor da bela frase de efeito de Pascal: - o coração tem razões que a própria razão desconhece. Eu responderia, modestamente: - nem sempre, nem sempre!!! Parece, segundo pesquisas do cérebro, a razão tenderá a conduzir a emoção. Por enquanto, a emoção ganha de dez a zero da razão, o que talvez explique um pouco tanta barbaridade acontecendo no mundo. Lógico, são muitos fatores entrelaçados: sociais, culturais, educacionais, médicos, neurológicos, históricos, o que faz com que a tarefa de se entender a violência humana seja das mais árduas e difíceis. Li, a título de curiosidade, que Darwin esteve no Rio de Janeiro, a caminho do arquipélago de Galápagos, no Chile, tendo se mostrado horrorizado com a violência dos brasileiros no trato com os escravos, apesar da nossa proverbial cordialidade... Realmente, deploramos! Porém não vi nenhuma menção do evolucionista a respeito da violência inglesa na evolução daquele povo. Um exemplo, dentre tantos outros, na realeza inglesa, por volta de 1480: Ricardo III, um rei popular, teria matado um irmão e dois sobrinhos para ascender ao trono da Inglaterra. Lembro esse episódio não por prazer, mas somente para demonstrar que a violência humana é coisa muito séria. Os sacrifícios humanos de crianças para aplacar a ira dos Deuses, e muito mais, muito mais. “Santa” ignorância. Na verdade, a história da humanidade, no seu longo caminhar, é uma história de sangue e nenhum povo tem o privilégio da bondade. Uma pena! Gostaria, sinceramente, que procurássemos as soluções para os problemas humanos, ao invés de ficarmos atirando pedras uns nos outros, e enfatizando a “cultura” da culpa, com resultados tão nefastos para o ser humano, nem sempre tão culpado... Fico com aquela postura de um querido psicólogo, que vendo a briga de seus filhos, cada um acusando o outro pelos malfeitos, dizia: “não me interessa quem é o culpado, quero saber quem vai consertar o erro cometido”.