NAS ONDAS DO RÁDIO

Adoro rádio. Aprendi a gostar com meu pai. Lembro-me de dois que tivemos. O primeiro era enorme, com caixa de madeira escura, movido à pilha. Consumia rapidinho quatro "Rayovac". Com o tempo ficou “démodé”. O som já não era lá essas coisas. Caixa de abelha, com aquele chiado estridente. Já existiam outros menores, meu pai ficou sabendo. Estava na hora de trocar a peça de museu. Vibrei! Por causa das radionovelas. Chorava ouvindo o inesquecível elenco radiofônico, me envolvia dos pés à cabeça nos dramalhões transmitidos de manhã pelas emissoras consagradas da época.

O rádio novo veio de Aparecida do Norte. Pequeno, vermelho, a frente com uma parte branca outra em vidro, ponteiros azuis pra sintonizar, diais modernos. Uma festa! Achamos aquilo o fim do mundo. Fios altos e esticados serviam como antenas. “Pra pegar melhor as ondas” meu pai explicava. Que som! Ninguém acreditava! Uma caixinha tão pequena e aquele barulhão! À noite, os vizinhos vinham escutar “moda” caipira naquela beleza de aparelho... Todo mundo admirando “Gente, o mundo tá mudado, quem guenta esses treim moderno que o povo inventa?”.

À noite, programas sertanejos. Duplas ao vivo. Só “moda” caipira, de verdade mesmo! Histórias nas letras e a gente pensando nos personagens, nos fatídicos “causos” da roça. Meu pai dizia: “O povo escreve, manda e o caso vira moda”. E os noticiários? Tudo quanto era notícia, de todo canto! Bastava dizer: “Deu no rádio” e ninguém mais discutia. Virava fato. Era assim que o rádio nos ganhava. Nas notícias, nos bons programas, nos excelentes locutores que se tornaram imortais, nas boas músicas. Destas, até as cobras gostavam: um dia dei de cara com uma jararaca tranquilamente enrolada sobre o aparelho. Desde então acreditei que as serpentes se encantam mesmo por belas notas musicais... Pode isso?

O rádio ficava na sala. Lugar de honra da casa. Certa vez, em dia de faxina, a tragédia: pus o aparelho na janela pra limpar a mesa. Foi quando uma galinha, surgida não sei de onde, resolveu entrar pela sala e “pular” pela janela. Alçou seu voo repentino e junto levou o rádio. Coração disparado, fui conferir o estrago. Não queria nem ser eu, ai! Meu destino tava traçado! A abominável exterminadora do maravilhoso rádio da família! Milagre! Só o vidro quebrado, um cantinho lascado. Era resistente o danado! Agora era ver se ainda funcionava. Ansiosa, girei o dial. A voz da Gal, doce e meiga, veio lá de dentro “Quando vim para esse mundo/eu não atinava em nada/ hoje eu sou Gabriela...”. Ufa! Salva por um nada, o rádio ainda falava...

Ainda escuto rádio todos os dias. Mas sou obrigada a admitir: não se faz mais rádio como antigamente. Ontem mesmo eu ouvia um noticiário. O locutor anunciou: “Ladrão ‘roba vasia de pões de quejo’ e pula o muro, no bairro Esplanada”. O quê? Tem mais! “Homem furioso bate a cabeça no muro e grita que a vida ‘num’ presta”. Mesmo? Meu Deus! E ele continua: “A polícia já prendeu o indivíduo que apresentava 'hábito elítico'". E explicou direitinho: “Pra quem não sabe ‘hábito elítico’ é o bafo do sujeito que enche a cara de ‘birita’ viu, gente?”. Mil vezes não tivesse explicado! Estou desiludida. Isso não tem remédio! Melhor desligar o rádio...