É solidão então

Já não tem forças. Não acredita mais em si. Acorda, mecanicamente se arruma, busca seu caderno, seus livros e se põe na rua. Sempre o mesmo trânsito, a mesma rotina. No mesmo lugar estaciona, na mesma cadeira se senta e vê a manhã passar.

De tão mecânico, algo se perdeu. Já não sabe o por quê de estar ali. Perdido e cansado. O tempo passa, sem nada que lhe acelere o peito. Os segundos se demoram igualmente pelo relógio e à tarde ele se encontra só numa sala vazia.

Se lá não estivesse, ao menos alguém saberia? Talvez. Mas lá está ele e o caminho é sempre o mesmo. Cumprimenta alguns, pega a chave, abre sua porta, acende a luz, liga o ar-condicionado, o computador e se senta em sua cadeira acolchoada.

Assim é o seu dia, não há alguém pra lhe libertar. Deixa que a vida se encarrega de lhe mostrar que não pode ser assim. Ele não está sendo, não é, apenas está ali. Deixa que aquele silêncio ecoe em seu peito. Que lhe abandone o rosto a expressão de sorriso. O verbo já não lhe escapa entre os lábios. É solidão então.

Enquanto está parado, ela seguiu adiante. Reaprendeu a sorrir e a cantar. Sim, parece que o amor chegou, enfim. Aprendeu a gostar mais de si. Já não é mais a mesma – e não aceitará ser menos. Ela mudou e ele continuou ali.

Ele certa vez lhe disse que não aceitaria ser menor que seus sonhos. Hoje já não sonha. Ela vive o sonho - e sorri, então. Ela, a plenos pulmões, canta. A cada dia, algo novo para ela e um dia a menos para ele. E assim vão, vêm e sorriem da sorte e do azar. Ele se diz tão ocupado... Mas é só uma forma de não pensar na pena que se tornou, no fantasma do que já foi, na cicatriz que lhe restou. Já não tem forças.

Lucas Sidrim
Enviado por Lucas Sidrim em 05/05/2010
Reeditado em 27/12/2010
Código do texto: T2238581