A Trama
Sexta-feira. 18 horas. Fim do expediente. Arthur sai de sua sala rumo à rua. A cidade já está um caos. É hora do “rush”. Em meio a um barulho ensurdecedor de aviões, carros e pessoas, ele acende um cigarro na intenção de relaxar antes de tomar seu caminho. Ele sabia que era hoje. Tinha que ser hoje não tinha mais como adiar.
O celular, em seu bolso toca. Oi... sim... já estou indo pra lá... eu sei, eu sei... já te disse que vai ser hoje, tá bom... então tá! Te encontro mais tarde. Seu estômago virou como se alguém o tivesse apertando com as mãos. Jogou o cigarro que segurava entre os dedos e foi tomado por uma coragem, que hora ou outra se transformava em medo. Enfim, aquilo tinha que acontecer, afinal de contas ele era um homem de 35 anos, não poderia agir como uma criança medrosa.
Anita se olha no espelho do closet, buscando os últimos ajustes em sua maquiagem na intenção de valorizar ainda mais seus olhos verdes. Colocara um vestido, adquirido no dia anterior. Seria uma bela surpresa. Logo depois, borrifou em si o Gabriela Sabatinni, não muito, o perfume devia ser suave. A sutileza, ao seu modo de ver, era uma poderosa arma de sedução. Olhou seu relógio. Agora faltava pouco, e dentro de instantes estaria vivendo um momento inesquecível.
Mil coisas lhe passavam na mente. O que deveria dizer? Como deveria agir? E se na hora não conseguisse? Qual seria a reação dela? Por pouco, durante esse devaneio, não “engaveta” no carro da frente, que estava parado por causa do semáforo. Nesse momento, pensou em desistir. Talvez não fosse o momento. Pegou o celular, mesmo sabendo que aquilo poderia lhe render uma bela multa, e discou o número de forma automática. Caramba! Está fora de área. Desligou o telefone e procurou manter a calma. Àquela altura Anita já devia estar pronta, pensou.
Já estava escurecendo quando o belo prédio, que conhecia tão bem, já apontava pelo pára-brisa de seu VW Golf preto. Alípio, o porteiro, já o havia identificado de longe, e acionara o dispositivo para que o portão da garagem do edifício residencial se abrisse.
Anita não se continha de ansiedade. Bem que toda essa espera poderia ser mais rápida.
- Boa noite, seu Arthur.
- Boa noite, Alípio. Tudo calmo por aqui? – tentando disfarçar o nervosismo.
- Calmo até demais. Viu... seu Arthur! Vou pedir que estacione ali próximo, daquela lâmpada. Lá onde costuma estacionar está um breu só. Sabe como é! Lâmpada queimada.
- Tudo bem. Até mais.
O estacionamento estava quase vazio, exceto por um casal de idosos que voltava das compras num supermercado. Achou normal. Sexta a noite é dia de farra.
Ali, naquela solidão momentânea, longe do barulho lá de cima na rua, acendeu mais um cigarro na intenção de controlar sua respiração nervosa. Grande ironia. Cigarro e respiração ofegante. Terminou com seus tragos e se dirigiu a uma lixeira do lado da porta do elevador, jogou a bituca, apertou o botão para subir e aguardou.
Com o peito quase para explodir de ansiedade e sem saber quanto tempo mais Arthur demoraria, Anita decidiu esperar no apartamento de sua amiga, vizinha de andar. Foi até lá.
Absorto em seus pensamentos, Arthur leva um susto, ao ouvir a porta do elevador abrir-se na sua frente. Entra de forma lenta, e seleciona o 9º andar no painel.
De repente, enquanto a porta começa a se fechar, escuta uma voz:
- Segura... Segura... Segura...
Colocou a mão entre a porta que imediatamente se abriu.
- Muito obrigada...
Era uma senhora de uns 50 anos que conhecia apenas de vista.
Um pouco antes de sair para o saguão do edifício, para esperar seu marido que voltava do trabalho, Janete percebeu que havia esquecido seu par de brincos, no banheiro da suíte e voltava para pega-lo. Ela era muito vaidosa.
No elevador, Arthur, de forma educada, entrega as sacolas do supermercado a senhora Rose - depois de uma passadinha no Wal Mart, Rose vinha com três sacolas e Arthur ofereceu ajuda para leva-las - se despede e sai do elevador, pisando enfim no 9º andar. Suas pernas tremiam. Sabia que abrir a terceira porta a direita do corredor não seria uma tarefa fácil.
Anita confere o horário, enquanto conversa com Hellen sua amiga.
Arthur se aproxima da porta do apartamento e percebe que está meio aberta, decide entrar de forma silenciosa na esperança de não causar alarde fechando a porta logo depois. A sala estava vazia. Será que está na cozinha... Na cozinha também não tinha ninguém. Enfim se dirige ao quarto, numa última esperança que era quase certeira.
Anita decide voltar ao seu apartamento e ligar para Arthur.
Com as mãos suando, ele empurra a porta do quarto lentamente, ao mesmo tempo em que escuta a porta do apartamento abrindo de forma brusca e passadas rápidas.
- Papai, papai, você já chegou...
Ele olha para a Isabela, sua filha de 8 anos que corre em sua direção.
Anita pega seu celular e digita o número.
Enquanto abraça Isabela, ele olha para Janete, sua mulher, que está apoiada na cama do casal, olhando para uma fotografia em suas mãos.
- Olha o sorriso da Isa nessa foto. Lindinha né!? – Janete diz, desarmando completamente Arthur, mesmo que sem querer.
Dentro do VW Golf, no estacionamento vazio do edifício residencial, um celular toca sem parar e Anita, numa ansiedade absurda do outro lado da linha, nem imagina que naquele momento o homem obstinado com quem falara a instantes, tinha deixado de ser seu “flerte” e passado a ser o pai e o marido mais carinhoso, amável e arrependido dos últimos tempos. Arthur tinha esquecido toda aquela trama de deixar Janete e Isabela, pelo menos até o próximo encontro com Anita, sua amante.