Perdoai-os, Senhor
PERDOAI-OS, SENHOR
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 05.05.2010)
Ainda outro dia foi o senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB no Senado, quem falou em perdão.
Ele lembrou que sua casa foi invadida por militares durante a ditadura. Eles não tinham autorização judicial nem convite ou permissão da família para enfiarem-se porta a dentro. No entanto, assim procederam.
Virgílio disse: "Minha casa foi invadida e minha mãe foi obrigada a cantar o hino nacional de costas para a parede para mostrar que não éramos comunistas. Eu já era comunista naquela ocasião."
Simples assim: encoste-se o elemento num paredão à mira de armas; se ele souber ou conseguir cantar o hino, não é comunista; caso contrário, o que equivalia a uma plena confissão de vergonhosa culpa, leve-se-o preso para, sob tortura, entregar todos os detalhes da subversão.
Entretanto, e ainda assim, não levaram o senador que hoje confessa ter então sido, de fato, comunista de carteirinha.
Violar lares e sujeitar as pessoas a constrangimentos vários foi o mínimo de abuso e ilegalidade que os agentes do terror de Estado cometeram durante os anos de chumbo, durante o arbítrio de 1964 a 1985.
Imagine-se esbirros do governo Lula fazendo algo parecido no lar de cada um dos que falam mal dele, invadindo as residências ainda na madrugada, enfileirando os moradores e ordenando que recitem a escalação da Seleção brasileira, ou ao menos a do Corinthians, para provarem que são patriotas e amam o País e seu presidente.
Arthur Virgílio nutre opiniões a respeito desse passado. Ele acha que se deve "pôr uma pedra em cima disso. Não há por que abrir essas feridas". E conclui que devemos ter "a nobreza de perdoar, de também esquecer", pois ele "não guarda rancor do regime militar".
Com relação à pedra, o Supremo Tribunal Federal tratou de pô-la, por 7 a 2, vedando a responsabilização criminal de quem violou direitos humanos, o que trará embaraços ao Brasil em seus crescentes papéis no cenário internacional: ninguém admite que torturas, prisões sem culpa, assassinatos e ocultações de cadáveres possam ser considerados crimes políticos "perdoáveis" por anistia.
Quanto ao perdão, esta é uma decisão pessoal que não pode ser imposta a ninguém por decreto, a qual depende, em primeiro lugar, de saber-se em detalhes qual o crime, afronta ou injúria que se vai - ou não - perdoar.
Antes de qualquer coisa, pois, é imperioso abrirem-se os arquivos da repressão.
(Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 31 coletâneas e 44 premiações em concursos literários no Brasil e no exterior)