MANÉ PAGANDO MICO

Um amigo meu, recém chegado ao clube dos idosos na faixa dos sessenta e cinco anos, ficou todo prosa com o direito adquirido de não mais pagar passagem de ônibus, tendo franquia para as suas idas e vindas ao centro da cidade, ao Mercado Central, ao Parque Municipal, à Praça Sete, ao “Mineirão”, aos cinemas e a todo canto de Belzonte, onde lhe desse na telha passear e bater pernas.

Adentrava o coletivo, buscava o seu lugar nos bancos dianteiros dos ônibus, naquele espaço destinado aos idosos, aos deficientes físicos e às mulheres grávidas, o chamado “chiqueirinho”, e se sentia como o rei do pedaço. Todavia, de uns tempos pra cá o tal do “chiqueirinho” vem sendo disputado também pela turma abaixo dos sessenta e cinco anos, homens e mulheres, jovens ainda, gente que não está nem aí para a lei que dispõe sobre a gratuidade do passe às pessoas enquadradas naquelas categorias. Eles chegam, tomam os assentos, fingem que dormem com seus radinhos de microfones plugados nas orelhas ... e dane-se o mundo em volta!

Certo dia o Ademar, esse o nome do meu amigo, subiu ao coletivo que se dirigia ao centro da cidade, mas deparou com todos os assentos do seu espaço tomados por gente da sua faixa etária, exceto um rapazinho de jaqueta e calça “jeans”, óculos escuros, MP-3 ligado ouvindo música, cabelinho cortado à “Moicano” e fixado com gel, chique no último.

Aí ele se chegou bem próximo ao rapaz e ficou de pé ao seu lado, olhando fixamente pra baixo, tentando encará-lo pra reivindicar seu lugar. Mas o moço nem se tocava, continuava na sua, curtindo o MP-3 e balançando a cabeça ao som do aparelhinho. O Ademar encostou seu joelho na coxa do rapaz e deu uma cutucada, o cara não se moveu.

Ele olhou para um lado, para o outro, deu um sorriso amarelo e cutucou de novo, falando agora à meia voz para o sujeito:-

“- Hei, meu chapa, esse assento é para idoso ou deficiente, não tá vendo?! ...”

E o carinha nadica de nada, curtindo seu MP-3 e balançando a cabeça ao ritmo da música, viajando beleza.

Quando o Ademar deu mais uma cutucada e falou mais grosso, o trocador não se conteve e berrou lá do seu banco:-

“- Ô, Mané, vê se te manca, prezado! Não percebes que o rapaz é cego, cara? Fica na tua, tá ligado?! ...”

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 04/05/10

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 04/05/2010
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