O HOMEM QUE VEIO DE CRATO
*Terezinha Pereira
Ele pode ter chegado em Juazeiro assim. No lombo de um jegue ou numa jardineira toda empoeirara. No braço, um guarda-chuva pendurado. Todos os seus bens, dentro da mala grande, de papelão com os cantos quebrados, que trazia na mão. Era jovem, 28 anos. Baixo, mas de porte muito elegante. Bastante diferente fisicamente dos outros vigários daquela freguesia. Cabelos louros e olhos azuis. O olhar. O olhar era de santo e trazia expressão de paz. Nascera em Crato, Ceará, no dia 24 de março de 1844.
Quando ele lá chegou, Juazeiro era uma pequena aldeia do Ceará, que foi se transformando até chegar a ser, hoje, a segunda cidade do estado. Ao morrer, em 20 de julho de 1934, deixou todos os seus bens para os Salesianos, ordem religiosa pela qual ele tinha o maior apreço, devido a sua admiração por Dom Bosco que “sabia o segredo de corrigir, sem molestar. Saber esse que havia assombrado os centros mais cultos do mundo.” Não se sabe se ele lhes deixou a mala de papelão de cantos quebrados, mas foi registrado em seu testamento uma lista de terrenos, sítios, fazendas e prédios situados nos municípios cearenses de Crato, Aurora, Santana do Cariri, Juazeiro e até em Cabrobó, no estado de Pernambuco. Tudo o que deixou em doação aos Salesianos teria de ser destinado a abertura de escolas e se não as abrissem, o patrimônio doado deveria ser passado para o domínio do Vaticano. O padre havia recebido durante toda a sua vida religiosa, 62 anos existidos em Juazeiro, dinheiro e terrenos, que segundo ele, eram empregados em obras de caridade.
A respeito de Deus, o padre dizia “Deus está sobre tudo e é providência até das folhas que caem das árvores. E é certo: o bem que Ele não nos dar, não o teremos; e o mal de que não nos livrar, virá sobre nós. É dono de todas as coisas e dirige o homem por caminhos que só Ele sabe. Deus nunca deixou trabalho sem recompensa, nem lágrimas sem consolação. Deus é o criador de todas as coisas mínimas, é autor absoluto de todo o bem e de toda a graça. Só Deus nos basta”. Sobre o demônio tinha a opinião: “ o demônio nunca deixou de procurar destruir toda a obra de Deus”.
Quando chegou em Juazeiro, e ainda durante muitos anos, devido a seca, e a total falta de recursos da região, aquele que era o seu povo vivia na maior aflição, segundo ele, “desenganados de inverno, sem como escapar de morrer de fome”. Esse povo vivia em romarias, orações, novenas e mais novenas. Até que, numa primeira sexta feira do mês de março do ano de 1899, aconteceu o primeiro milagre. Quando o padre ofereceu a comunhão à beata Maria de Araújo, apenas colocada a hóstia na sua boca, imediatamente essa se transformou em sangue, que correu pela toalha, caindo algum no chão. O padre diz que não esperava aquilo, estava cansado pelo número de confissões que havia atendido e foi como se nem percebesse o fato. Só veio a atinar, quando a mulher, aflita, veio entender-se com ele, quando ele havia posto a âmbula no Sacrário. “Trazia ela a toalha dobrada, para que não vissem e levantava a mão esquerda aonde nas costas havia caído um pouco e corria um fio pelo braço e ela com temor de tocar com a outra mão naquele sangue, como certa que era a mesma hóstia...”
Como milagre puxa milagre, aumentaram-se as romarias, Juazeiro deixou de ser uma pequena aldeia e passou a receber gente de todas as partes do país e do mundo. O padre chegou a ser suspenso de ordem, foi político e foi tido, pelo povo que o conhecia, como um grande sábio, que dava conselhos práticos, providenciava empregos e promovia a solidariedade comunitária entre os povos que em fuga da pobreza crônica do estado do Ceará, passaram a imigrar-se para Juazeiro. Até hoje o padre Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço”, é venerado em sua terra por milhares pessoas que vão até lá em busca dos seus ideais evangélicos, do reino de Deus e da Justiça.
“Milagre em Joaseiro” é o nome de um livro que merece ser comentado em um outro artigo, uma vez que traz um grandioso estudo de toda a trajetória do Padre Cícero, cujo processo de beatificação deverá ser revisto no Vaticano.