A pintura e a poesia
Meses atrás assisti uma reportagem, na televisão, sobre um pintor brasileiro que vivia ou vive em Paris. Realmente, não consigo mais me lembrar do nome do pintor. Apareceu dando entrevista e relembrando a final de uma Copa do Mundo de futebol em que a França venceu o Brasil. No documentário, aparece um filme onde se vê vários franceses “gozando” o pintor brasileiro, em frente à janela da casa dele. O pintor não teve a menor dúvida: atirou vários pratos em cima da patuléia, fechando imediatamente a janela, para não ser mais molestado. Esse pintor é, sem dúvida, um excêntrico. Mais espantado fiquei quando, na entrevista, falou com todas as letras que pintava para dar um certo sabor à vida. Que a vida, sem a sua pintura, era por demais monótona. Chegou a afirmar: a vida é monótona! Interessante como certas pessoas têm uma percepção aguda da vida. Eu seria capaz de viver duzentos anos e nunca notaria essa monotonia apontada pelo pintor com tão vivas cores. É verdade que seria capaz de ter minhas depressões, mas de modo inconsciente. Consigo ver, isso sim, que o Brasil tem sido um celeiro de bons poetas, que com suas poesias vão colorindo o mundo, alterando o nome das coisas, fantasiando, criando imagens, as mais incomuns, usando e abusando de metáforas, imaginando outros mundos, inventando palavras, enfim, “pintando o sete” e, nós, pobres mortais, sem esse dom da clarividência, abismados com tamanha sensibilidade. Eu não me canso de aplaudir esses poetas. Vejo, agora, depois de assistir pela televisão o nosso pintor brasileiro, que essa gente toda está procurando acrescentar uma certa graça à vida, transcender este mundo prosaico, fugindo da monotonia. Estou neste papo furado, só pra lembrar aos meus leitores o que li do Nelson Rodrigues, há muito tempo, lá se vão uns quarenta anos, sobre este mesmo tema, talvez clareando um pouco esta análise que tento fazer. Como todos sabem, o homem gostava de dramatizar e dizia que tínhamos que abandonar a objetividade. Transformar, retocar, dramatizar o fato, enfim, tinha que haver poesia. É o que ele dizia. Começo a dar razão ao escritor, pois os grandes feitos das civilizações sempre tiveram seus poetas engrandecendo os fatos heróicos. Homero, na ilíada; Virgílio, na Eneida e, mais recentemente, no Renascimento, o nosso Camões, com os Lusíadas, contando os grandes feitos dos navegadores portugueses e dando destaque merecido para Portugal, jamais ousado por qualquer outra pessoa. Mas me apresso a contar o que li no Nelson, para dar um fecho plausível e coerente nessa minha ligeira crônica. Ele narrou para nós que houve um incêndio certa feita no Rio de Janeiro de pequeníssima proporção. Na verdade, segundo ele, qualquer mãe de família apagaria o incêndio com um regador de jardim. Ora, o que fez o jornalista da época, ao ver o sinistro fracassado? Simplesmente, inventou um canário no meio das labaredas e que morreu cantando. Ainda segundo o Nelson e de acordo com suas próprias palavras: “a cidade inteira, de ponta a ponta, chorou a irreparável perda do bicho”. O resultado alcançado pelo repórter foi altamente poético. Sem dúvida, a lição que posso tirar dessa história toda: a ilusão também faz parte da natureza humana.