ANTINCONSTITUCIONALISSIMAMENTE (OPS!)
                                                       
Aeroportos cheios, céu de contrastes, ela foi uma das entrevistadas. Com um pacote de biscoitos nas mãos e microfone à disposição da voz, própria de quem está com a boca cheia, no caso dela, de bolachas, não perdeu a oportunidade. “Raiva, muita raiva! Muita raiva mesmo! Isso é um absurdo! Ninguém toma nenhuma “previdência” e a gente fica aqui, com frio, fome, sem ter onde dormir... Não dá para ser feliz, não dá!”

Peço perdão, humildemente, àqueles que gostam de emoções cinzas e, para quem entender que estou brincando com coisa séria, deixo a garantia de ser solidária àqueles que, por diversos motivos, padecem. Mas, tem gente que exagera. Não sei se por nervoso, por estar diante de uma câmera ou porque querem falar e tanto faz o que falam. Ai, como tem gente que gosta de aparecer na telinha! E como tem gente que gosta de falar muito, não?

Então, quando a moça respondeu ao repórter que sentia raiva e todo o tipo de coisa cinza que podia, por estar “presa” em consequência do bafo negro do Eyjafjallajökull, estranhei e quis entender. Gente, mas raiva, toda essa raiva de quê? De quem? Do vulcão? Da fumaça? Do aeroporto? Do governo? Do repórter? Que providências ela exigia? Que se instalasse um exaustor nos céus da Islândia? Amordaçasse a boca do vulcão? Que se tentasse um ventilador para esfriar as lavas da montanha?

E a raiva era real, absolutamente visível e “sentível”. Podia-se presumir, entre uma e outra palavra, o resmungo grave do rancor espumejando nos erres, a insatisfação crepitando entre dentes e farelo de biscoito, o tremor indignado de quem chegou ao limite de seus limites. A resposta, que perdurou segundos, ficou no ar por algum tempo ainda, retorcendo uma explicação que eu não encontrava. Ou ela respondia a outra indagação, ou decidiu jogar sobre o vulcão o próprio fogo, ou quem sabe, tenha sido erro de continuidade, pensei ainda tentando entender.

Cá com meus botões, quero acreditar que a moça queria mesmo era falar de outras coisas, mandar algum recado pela TV para alguém ou quem sabe simplesmente aparecer. Sei que jamais vou vê-la de novo, mas se pudesse, lhe daria uma sugestão. Para ela e para quem, de repente, passar pela mesma situação e desejar, ardentemente, expressar -se com grande ênfase, usando palavrinhas cinzas, curtas e... enigmáticas. Ser for o caso, aproxime-se do microfone, inspire e, calmamente, profira de forma mais colorida que possa: Oftalmotorrinolaringologista. Dá para ficar no ar por algum tempo e até, aparecer. Se preferir, Anticonstitucionalissimamente também é uma ótima opção. Dê um sorriso xis para a câmera, um breve adeusinho e pronto! No ar, deixe as reticências ao bom entendedor, para quem meia palavra basta.
Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 03/05/2010
Código do texto: T2235609
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