Du Bocage

Conheci Bocage, pela má fama que corria em minha infância; imaginem, que tudo que era anedota imoral e pornográfica diziam ser de Bocage; acredito que tenha sido daquele tempo a minha intolerância com anedotas. Procurei conhecer Bocage, o poeta, e me surpreendi com a excelente qualidade de sua poesia e sua precisão métrica. Manuel Maria de Barbosa Du Bocage nasceu em Setúbal, Portugal, a 7 de setembro de 1766, morrendo em 1805.

Dou-lhes uma idéia, transcrevendo a primeira quadra da poesia “Insônia”, em que podemos observar, a clareza e elegância com que Bocage apresenta o tema.

Insônia (Bocage)

“Oh! retrato da morte, Oh! noite amiga

Por cuja escuridão suspiro há tanto!

Calada testemunha de meu pranto,

De meus desgostos secretária antiga!”

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Consegui uma edição de seus sonetos da Livraria Bertrand (1937) uma tiragem de 1000 exemplares. Em 1797, foi preso e processado em razão de seus versos, em que chama Napoleão de grande redentor da natureza, criticando os estados pontifícios. O Juiz desembargador mudou a categoria de culpa de delito contra o Estado em erro contra a religião. Encaminhou-o para julgamento pela Inquisição, para cujos cárceres foi transferido. A variedade de temas que Du Bocage mostra em sua obra é extraordinária, por isso foi considerado o maior poeta de sua época. Extremamente satírico, era capaz de numa poesia enaltecer ou destruir uma reputação. A má fama de poeta pornográfico adveio de ter escrito Poesias eróticas, burlescas e satíricas que foram censuradas, mas, em 1854, essas poesias foram publicadas em Bruxelas. Consta, que Bocage escreveu durante a agonia uma poesia de despedida, que muitos julgam apócrifa; se ele morreu de aneurisma roto, como consta, não teria tempo de escrever coisa nenhuma; de qualquer modo, a poesia se tornou clássica:

“Já Bocage não sou!...À cova escura meu estro vai parar desfeito em vento...Eu aos céus ultrajei! O meu tormento leve me torne sempre a terra dura. Conheço agora já quão vã figura em prosa e verso fez meu louco intento. Musa!...Tivera algum merecimento, se um raio da razão seguisse, pura! Eu me arrependo; a língua quase fria brade em alto pregão à mocidade, que atrás do som fantástico corria: Outro aretino fui...A santidade manchei...Ó! Se me creste, gente ímpia, rasga meus versos, crê na Eternidade! “

Se vocês lerem os poemas de Bocage, podem até concordar, ser esse soneto terminal de sua autoria; todavia, custa-me crer, que um poeta daquela envergadura pudesse mandar rasgar os próprios versos; não acredito. Pra encerrar, por ora, transcrevo o auto-retrato do poeta: -

“Magro, de olhos azuis, carão moreno, bem servido de pés, meão na altura, triste de facha, o mesmo de figura, nariz alto no meio e não pequeno”...

Em relação à poesia tinha a seguinte autocrítica: Incultas produções da mocidade exponho a vossos olhos, Ó leitores, vede-as com mágoa, vede-as com piedade, que elas buscam piedade e não louvores.”- Vale a pena ler Bocage”. De um modo geral, quando se fala em poesia portuguesa, imediatamente se pensa em Camões, Fernando Pessoa, Florbela Espanca e até Antonio Botto, que conheci pessoalmente, mas pouco se fala de Bocage. Aqui fica o convite aos recantistas.