A VIDA POR UM DURALEX
Otávio olhou fixamente o copo reaproveitado de requeijão, desses que tem uns vincos verticais na base. Não conteve a ira, soltou o já conhecido grito:
_ Lídia!
Lídia no quarto em frente ao espelho da penteadeira, ajeitava o cabelo com o passador feito de latão mais parecido com um sapinho, o tipo de passador que toda mulher tem, já teve ou vai ter.
_ Lídia!
Gritou ele ainda irritado
_ Que foi?
Respondeu ela, empurrando o restante dos cremes gaveta adentro. Otávio não se pronunciava, apenas chamava.
Desce Lídia correndo as escadas e pergunta:
_ O que foi?
_ Olha só isso
_ Isso o quê
_ Esse copo
_ O que tem ele?
_ Ora, não está vendo?
_ Sim estou vendo um copo de café do lado de um pão com manteiga, o que mais?
_ O que mais? Não é o meu favorito, só isto
_ Ah é, nem havia percebido
Otávio tinha o costume de sempre tomar café num copo tipo duralex de cor marrom e boca saliente em relação ao fundo. Tinha certeza absoluta que o formato do copo conferia um sabor diferente à bebida matinal de todos os dias. Poderia defender uma tese a respeito se fosse preciso.
_ Não acredito que você aprontou esse “banzé” por causa do seu copo preferido, disse Lídia atarrachando o brinco do lado direito.
_ E você acha pouco? Sabe à quanto tempo eu só tomo café neste copo?
_ Pois é querido, me distraí, isto não vai mais acontecer. Aliás, você me perguntou o que aconteceu no meu primeiro dia de trabalho?
Era o retorno ao trabalho para Lídia depois de um jejum de cinco anos e dois filhos em idade escolar. Estava vibrante com a possibilidade das coisas deslancharem de vez.
Mas Otávio, preocupado com o duralex se mostrava inquebrável e nem notou o que Lídia disse. Para ele era um golpe muito duro saber que suas preferências e desejos disputariam rotineiramente com o cartão de ponto de Lídia.
Ela ainda tentou pedir a ajuda de Otávio par atarrachar o outro brinco, mas viu seu olhar fitando o vago, então foi até a cozinha pegou o “indefectível” duralex, o senhor protetor dos cafés quentes e saborosos e trocando o café de Otávio acabou se esquecendo de retirar o outro copo. Beijou a fronte de Otávio e disse:
_ Tô indo
_ Tá
Ele passou a olhar alternadamente para os dois copos. Só ele poderia saber o significado que aqueles dois representavam. Acabou não tomando o café.