ANTES TARDE DO QUE NUNCA


Minha adorável ajudante chegou tarde. Tarde, eu saí e já era tarde, também, quando percebi que havia esquecido as chaves. Segunda-feira escura, pensei, soltando aquele muxoxo peculiar de quem começa o dia, melhor, a semana, enrolada. Volto, não volto, já estou atrasada, um montão de gente, com certeza já à espreita... Não volto, vou ligar. Estaciono na vaga errada, só quando desligo o carro percebo, entro, dou ré, vaga certa, fecho a porta e finalmente entro pelo longo salão que o pessoal limpa.

Do celular ligo para casa e peço a Janete que me traga a chave. Ela não sai com a roupa de trabalho, a vaidade não deixa. E a criatura nem vai sair do carro! Então, chama um táxi e pede ao motorista para trazer. Ela não acha o telefone na agenda para ligar. Chamo eu mesma o táxi, passo o itinerário e peço, com humilíssima voz, que não demore muito.

Enquanto espero sou rodeada por uma multidão que quer, ao mesmo tempo, diferentes respostas. Peço calma, meio atordoada dou uma desculpa, saio dizendo que volto logo. Alguns me acompanham, insistindo. Entendo, mas,

Entro na primeira porta que encontro aberta. Ninguém. Espero alguns segundos e saio em direção à cantina. Vou tomar um café enquanto as chaves não chegam, pois nem para isso deu tempo. Encontro a grávida:

– A senhora trabalha aqui?
_ Trabalho, posso ajudar em alguma coisa?
_ É que mandaram eu vir aqui.
_ Quem mandou? A senhora recebeu alguma intimação?
_ Não, ligaram.
_ Quem “ligaram”? A senhora sabe o nome? De onde?
_ Sei não. Ligaram para o celular do meu marido.
_ Então, vamos tentar descobrir. De onde a senhora está vindo? Peço outro café e nada de chaves.
– Da casa de seu Nonô.
– E onde é a casa de seu Nonô? A senhora mora lá?
– Não senhora, fui lá levar a roupa lavada. Fica perto do açougue.
– A senhora sabe o nome da rua?
_ Sei não.
– A senhora tem algum processo aqui? O seu marido, sua mãe, irmã, abriu algum processo?
– Mora ninguém aqui, não. Só eu.

O policial trouxe minha chave. Pedi a grávida que me acompanhasse, sentasse e esperasse um minutinho. Rotina de sempre, abri a porta, liguei o ar, guardei a bolsa. Lá fora, multidão!

– Estou tentando ajudar a senhora, mas está difícil. A senhora não sabe quem ligou, não recebeu nada por escrito... Como a senhora se chama? Onde a senhora mora? Simone. O nome era Simone, morava depois da ponte, ao lado da vendinha de seu Zé. O marido era servente, não estava em casa. Tentei descobrir onde o marido trabalhava, identificar alguma coisa palpável, mas era só aquele, sei não. Não tinha o que fazer. Minto, fazer, só uma coisa:

– Olha, dona Simone, vou pedir ao guarda para levar a senhora em casa e a senhora aguarde outro chamado. E quando alguém ligar, a senhora pergunta o nome e qual lugar a senhora precisa procurar. A senhora está grávida, mora há pouco tempo aqui, não conhece a cidade ainda e, eu não sei mais o que posso fazer pela senhora.

Era uma menina ainda e pela maneira, calculei, mal sabia escrever o nome. Devia estar no sexto ou sétimo mês de gravidez e andou de casa até o Fórum, onde entrou, mas ninguém sabia explicar nada. Ficou olhando para mim, pôs o dedo na boca como quem rói unha, olhou lá para fora:

– Aonde que é aqui?
– Aqui é o Fórum da cidade.
– Aqui tem roupa para neném?

Olhei para ela mal acreditando.

– Dona Simone, por acaso não foi da Prefeitura que ligaram para a Senhora? Será que não foi da Igreja? Pensa bem. Da Secretaria de Assistência Soci...
– Me alembrei! – os olhinhos brilharam – é esse o nome da moça que ligou. Assistência de que mesmo?

Já tinha perdido a hora mesmo, já era tarde para começar tudo mesmo... Ô celular, às vezes você atrapalha! Bom, antes tarde do que nunca, “né mermo”?
Acompanhei a moça até o portão e mostrei o prédio ao lado. Ô segunda-feira atravancada, meu Deus!



Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 02/05/2010
Código do texto: T2233164
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