Uma sentença, um arbítrio

“- Você está morrendo”

Ela recebeu o veredicto assim, nua e cruamente.

Havemos de concordar que não dá pra fazer muitas alegorias, o fato é simples e direto. Ela também meio que já esperava essa sentença. Dias de dores e humores estranhos faziam-na pensar sobre a real condição de seu corpo.

Ela olhou pro médico, nenhuma solidariedade vinha dos lábios crispados. Ele era o juiz e parecia esperar alguma interpelação. Protestos alegando inocência (afinal ela nunca bebera, fumara ou cheirara...).

Ela olhou a caneta firmemente pressionada pronta para a rubrica da sentença. Pra ela não havia apoio, conforto. Tinha ido sozinha e encarceraria o segredo entre si e seus pensamentos. Um sorriso tímido se esboçou em seus lábios. Conjecturas a princípio desconexas vinham lhe fazer companhia e alegavam que todos, sem exceção estão morrendo de algum jeito. Alguns morrem fisicamente, uns espiritualmente, alguns perdem seus sonhos, alguns suas convicções, alguns suas metas, alguns a fé... E então, sorriu abertamente. Não morria sozinha, muitos lhe faziam companhia só não tinham a declaração material de sua condição.

Seus olhos brilharam, e se enfim achasse um vampiro? Teria tempo de pedir um favorzinho? Como deveria ser um morto-vivo? Então pensou que haveria de ter muita aventura, mas possivelmente seria uma eterna fuga. Não! Era melhor descansar em paz... lembrou da descrição de céu que vira num seriado. Se seu céu fosse um momento perfeito sem dúvida seria na corrida a cavalo que nunca fizera, mas que podia sentir o cheiro da grama pisada se fechasse os olhos, ou o caminhar pela praia deserta sobre a luz das estrelas e a água morna arrastando pro fundo do oceano as dúvidas e inquietações...

Se acreditasse em reencarnação exigiria vir como um pássaro, para enfim ter saciado seu desejo de pertencer aos ares.

Mas a idéia da grama ou da areia lhe agradava mais. Sua própria forma [21 anos de constituição laboriosa] desfrutando rebeladamente de prazeres tão infantis sem o preconceito de ser criança puramente e não criança adulte-rada. Conhecia tantas...

Pensando bem, a morte é um caminho pra se descobrir o que há alem da imaginação, dos pensamentos tão limitadamente humanos.

Ela segurou a mão do médico e com queixo erguido aceitou a sentença. Ele ia falar. Mas ela o calou com um olhar meigo e infantil. Na porta entreaberta sussurrou: “-Eu entendo!”

Bella Dona
Enviado por Bella Dona em 01/05/2010
Código do texto: T2231696
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