“COM AÇÚCAR E COM AFETO”
Dona Dulcinha, dona do mercadinho de flores da praça, era uma mulher adorável. Tinha agrados pendurados nos lábios risonhos, sempre, para quem passasse pela rua ou entrasse para comprar alguma coisa. De uma elogiava os cabelos bem cuidados, de outra a educação, daquele aplaudia pela bonita cor da camisa, desse pelo carinho com os filhos e esposa. Conquistara, dessa forma, outro apelido para Dulce: Docinha.
Manhãzinha, raiando aquele solzinho ainda meio frio, estava lá dona Docinha, feito uma abelha, pulverizando suas flores, zunindo seu contentamento. De abelha, aliás, tinha mais um pouco: pouco busto, ancas largas e um saliente bumbum. Quando, baixinha, vestia certa blusa branca de bordado inglês, com duas penses na frente, agarradinha no corpo cheiinho, e uma saia preta já tanto desbotada, então...
Além do mercadinho, dona Docinha tocava e dava aulas de piano. As tardes eram recheadas de Bach, escalas maiores e menores, claves e pautas. Por vezes, lá do balcão, a menina lá dentro tocando, dona Docinha tirava os óculos, prestava atenção e abria a cortina que separava o mercadinho da sala de aula: “Presta atenção filhinha, olha o compasso! Sem correr, amor!” Por outras, no meio do solfejo, parava e de mesma forma serenava o freguês: “Seu João, que gesto maravilhoso o seu! Mas, olha, rosas chá são muito mais elegantes do que as vermelhas. Pode levar que dona Vidinha vai amar ainda mais o senhor!”
Dona Docinha se dividia assim, sem perder um só momento de vida que cruzasse por seu caminho. Interferia aqui, enquanto fazia ali. Todo mundo já estava acostumado com o frenesi, com aquela inquietação, que afinal, era mais engraçada do que qualquer outra coisa.
Muito religiosa dirigia o coral da igreja, onde se apresentava todos os domingos, em todos os casamentos, em todas as festas da igreja. E foi então que, no dia da comemoração de Corpus Christi, dona Docinha resolveu inovar a Ave-maria. O caminho por onde ia passar a procissão estava pronto, lindo! Muitas flores do mercadinho ornavam os tapetes por toda a cidade. Ela estava feliz! De megafone na mão, ia conduzir o terço, o que nunca pode fazer. Lá atrás a banda, e lá na frente, dona Docinha, acompanhada da filha Leonor:
– Ave-maria, cheia de graça, Leonor, olha essa vela, O Senhor é convosco, Leonor, cuidado com as pedras, Bendita sois entre as mulheres, Leonor olha o buraco, Bendito...”
Claro que ela não notou nada, até que o sacristão da igreja lhe confidenciou ao ouvido o que estava acontecendo. Ouviu-se um “Ai meu Deus! Perdão, Senhor!” Quem estava perto riu, seguindo a procissão que se foi.
Essa era dona Docinho, cheia de açúcar e de afeto.
Dona Dulcinha, dona do mercadinho de flores da praça, era uma mulher adorável. Tinha agrados pendurados nos lábios risonhos, sempre, para quem passasse pela rua ou entrasse para comprar alguma coisa. De uma elogiava os cabelos bem cuidados, de outra a educação, daquele aplaudia pela bonita cor da camisa, desse pelo carinho com os filhos e esposa. Conquistara, dessa forma, outro apelido para Dulce: Docinha.
Manhãzinha, raiando aquele solzinho ainda meio frio, estava lá dona Docinha, feito uma abelha, pulverizando suas flores, zunindo seu contentamento. De abelha, aliás, tinha mais um pouco: pouco busto, ancas largas e um saliente bumbum. Quando, baixinha, vestia certa blusa branca de bordado inglês, com duas penses na frente, agarradinha no corpo cheiinho, e uma saia preta já tanto desbotada, então...
Além do mercadinho, dona Docinha tocava e dava aulas de piano. As tardes eram recheadas de Bach, escalas maiores e menores, claves e pautas. Por vezes, lá do balcão, a menina lá dentro tocando, dona Docinha tirava os óculos, prestava atenção e abria a cortina que separava o mercadinho da sala de aula: “Presta atenção filhinha, olha o compasso! Sem correr, amor!” Por outras, no meio do solfejo, parava e de mesma forma serenava o freguês: “Seu João, que gesto maravilhoso o seu! Mas, olha, rosas chá são muito mais elegantes do que as vermelhas. Pode levar que dona Vidinha vai amar ainda mais o senhor!”
Dona Docinha se dividia assim, sem perder um só momento de vida que cruzasse por seu caminho. Interferia aqui, enquanto fazia ali. Todo mundo já estava acostumado com o frenesi, com aquela inquietação, que afinal, era mais engraçada do que qualquer outra coisa.
Muito religiosa dirigia o coral da igreja, onde se apresentava todos os domingos, em todos os casamentos, em todas as festas da igreja. E foi então que, no dia da comemoração de Corpus Christi, dona Docinha resolveu inovar a Ave-maria. O caminho por onde ia passar a procissão estava pronto, lindo! Muitas flores do mercadinho ornavam os tapetes por toda a cidade. Ela estava feliz! De megafone na mão, ia conduzir o terço, o que nunca pode fazer. Lá atrás a banda, e lá na frente, dona Docinha, acompanhada da filha Leonor:
– Ave-maria, cheia de graça, Leonor, olha essa vela, O Senhor é convosco, Leonor, cuidado com as pedras, Bendita sois entre as mulheres, Leonor olha o buraco, Bendito...”
Claro que ela não notou nada, até que o sacristão da igreja lhe confidenciou ao ouvido o que estava acontecendo. Ouviu-se um “Ai meu Deus! Perdão, Senhor!” Quem estava perto riu, seguindo a procissão que se foi.
Essa era dona Docinho, cheia de açúcar e de afeto.