O ASSASSINATO DA ALMA
Numa levada de êxodo rural o velho caminhão estacionou numa praça da cidade grande, e pessoas humildes desceram da carroceria. Parecia uma revoada de pássaros, tal era o barulho que faziam numa demonstração de alegria. Entre os que chegavam estava Adão e sua mulher Clarinha, uma linda morena de cabelos longos e negros como a asa da graúna, sorriso bonito e bem feita de corpo. Hospedaram-se numa pensão simples, como lhes convia.
O rapaz trazia consigo algumas roupas e um pouco de dinheiro, resultado da venda de duas vacas e alguns frangos, além de umas peças de mobília. Era tudo que possuía na localidade de Lajeado. Trazia também muita esperança de vida melhor na cidade grande. O jovem casal olhava ao redor com alegria e entusiasmo.
Uma semana depois Adão já estava empregado como servente de pedreiro numa obra de construção. Um colega lhe indicou um barracão numa favela, o aluguel era barato e com o salário recebido dava para pagar. Adão instalou-se ali e começou a vida nova.
O tempo passou, o restinho de dinheiro findou, a obra acabou e Adão se viu sem o emprego. A fome bateu a sua porta e com ela o desespero. O rapaz saía cedo à cata de serviço e voltava com o cair da tarde sem nada conseguir.
Os dias de tranquilidade acabaram. Abraçado a esposa, Adão chorou. A cidade grande não era tão boa como ele sonhara. Convites para “fazer” assaltos não lhe faltaram; mas Adão era uma pessoa honesta e nem por um momento isso lhe passou pela cabeça. Lembrou-se do torrão natal, da vida simples que levava; das reuniões dos Congregados Mariano na pequena igreja. Adão chorou pela segunda vez. Por imposição de Clarinha haviam deixado Lajeado; ela somente se casou com sob a condição de se mudarem para a cidade grande. Por amor ele aceitou.
Certo dia quando descia o morro foi abordado numa blitz, os policiais o colocaram juntamente com mais dois rapazes com as mãos espalmadas e as pernas abertas encostado no muro; revistaram a todos com brutalidade. Adão nem sequer pode falar nada, quando tentou, levou um safanão na cabeça. Foi jogado dentro do camburão e entrou em desespero, começou a gritar que era trabalhador, e foi aconselhado por um policial a calar-se, senão todos iam apanhar. Por prudência Adão calou-se.
Na delegacia Adão e os demais presos ficaram numa cela destinada à triagem e ali permaneceu o dia todo, sem alimentação.
O rapaz contou aos “colegas” sua situação de penúria, falou da sua mulher, do fantasma da fome e da sua alma desiludida com a grande cidade.
No dia seguinte foi libertado, juntamente com um dos “colegas” conhecido como Sapinho. O novo amigo também morador da favela lhe prometeu arranjar um “trampo” legal e assim o fez; apresentou Adão a um rapaz conhecido como Tom Escova, traficante violento e “dono” da favela, que lhe adiantou uma boa quantia para que fizesse uma boa feira e comprasse uma televisão. O rapaz voltou para casa feliz e contou a novidade para Clarinha, os olhos da linda morena brilharam. Era o prenuncio de dias melhores.
Adão tornou-se o homem de confiança do chefe, seu lugar tenente. Vestia-se bem e tomou gosto pela vida boa. Clarinha mostrou-se uma moça vaidosa e também passou a se vestir com roupas modernas que mostrassem seu corpo curvilíneo. Adão orgulhava-se da esposa que a cada dia lhe exigia mais conforto; uma hora era uma geladeira melhor, outra hora, um forno microondas e assim impunha suas vontades. O marido servilmente atendia a tudo.
No dia do aniversário de Tom Escova houve uma grande festa e Adão levou a mulher, apresentando-a ao chefe. Clarinha estava irradiante e atraiu os olhares dos presentes pela beleza e a sensualidade, inclusive, do traficante que a cobria de atenção e gentilezas.
A morena em nada lembrava a retirante simplória que chegou na carroceria de um pau-de-arara. Olhares de cobiça lhe eram dirigidos em abundância. As mulheres ao contrário dos homens a olhavam com inveja, o que induzia a morena a esmerar-se no andar sensual.
Certo dia Adão que já portava arma, foi cobrar uma dívida a mando de Tom Escova e discutiu com o devedor. Adão sacou a arma e atirou no rapaz por duas vezes matando-o. Voltou correndo e entregou o dinheiro recebido ao chefe, narrando-lhe o ocorrido.
Tom Escova cuidou de tudo e deu proteção ao seu ordenança. Depois comemoraram o fato com pequena festa onde Adão se embriagou e deu tiros para cima. A fama de Adão se espalhou. Era visto como homem valente.
Alguns dias depois o corpo de Adão foi encontrado crivado de balas numa valeta a beira da subida da favela.
Adão tinha completado 25 anos; Clarinha, a viúva bonita, foi amparada por Tom Escova que lhe dedica todo carinho e amor.