Coisas da vida...
Dia desses, aguardando na ante-sala do consultório médico até ser atendida, lembrei-me de uma crônica de Luiz Fernando Veríssimo (me foge o título) em que ele naquela situação de espera começa a imaginar como é que são as pessoas que estão lá junto esperando para serem atendidos.
Eu também tenho dessas coisas.
Quando entro na sala de espera faço uma contagem geral de quantas pessoas estão lá, depois conto por sexo, depois por sexo e faixa etária, depois por cor de cabelo e quando a consulta está atrasada separo-as por problemas.
Resolvi escrever o dia em questão porque foi a primeira vez que meu marido me acompanhou numa consulta, geralmente nos deixamos na porta do consultório para nos pegarmos mais tarde, depois das consultas. Mas esse dia foi diferente, foi um daqueles dias em que não conseguimos ficar longe um do outro, parece que falta um pedaço num a ausência do outro e aquelas coisas de quem já está bastante tempo casado.
Chegamos no consultório e, além de nós, tinha 12 pessoas, 9 sentadas e 3 em pé. 8 mulheres e 4 homens. 10 Adultos, 1 adolescente e 1 criança. Tinha o padre, mas ele já estava na contagem dos homens adultos. Dos adultos, 1 homem e 3 mulheres estavam na faixa dos 70 anos, 1 homem e 2 mulheres na faixa dos 50 anos e 2 mulheres que beiravam os 35 anos. E nada do médico chamar.
Porque será que o padre estava lá? Fiquei olhando atentamente para ver se descobria algum sintoma visível, e ele, notando meu olhar, cumprimentou-me. Era o que eu precisava:
- Ta doente padre?
- Vim fazer um check up.
- Hummmm!
Cutuquei meu marido que estava quase dormindo.
Tinha à minha frente mãe e filha, tinha que sê-lo, pois eram muitíssimo parecidas, ambas com saias jeans até os joelhos, cabelos pretos presos, meias finas e sapato preto baixo com o bico quadrado. Hirtas. Mal respiravam. Tinham os olhos fixos num ponto do piso que passei a olhá-lo também na louca iminência de ver alguma coisa com vida surgindo dali. Não me olharam. Não olharam ninguém. Fiquei imaginando a conversa monossilábica que teriam com o médico:
- Então, vamos entrando, vamos entrando. E aí Dona Maria (ela tinha cara de Dona Maria) o que a senhora tem?
- Não sei.
- Sente dores?
- Sim.
- Onde?
- Pelo corpo.
Meu marido começou a ressonar e quando a porta abriu e a enfermeira gritou: “Dona Lídia, Dona Lídia, Dona Lídia” meu marido deu um pequeno pulo, imperceptível para os outros, mas não para a Dona Lídia que disse:
- Agora é a minha vez, disse ela animada.
E ficou olhando para o meu marido com cara de que se ela atrasasse um passo sequer, ele pularia na frente para ser atendido antes. Era a vontade dele de fato.
Mais ao lado havia um casal. Mas não era um casal comum. Ele tinha um dos braços em cima dos ombros da mulher, como se na ânsia de apoiá-la estivesse se apoiando, e ficou o tempo inteirinho com a cabeça encostada na cabeça dela e ela não estava a vontade. O que será que aconteceu? O olhar baixo da mulher, o grude do marido. Não sei não. Ela não se encostava no homem, pode ser que eram casados, namorados ou ficantes, mas o fato é que a situação era curiosa. Ela tinha a tristeza estampada no semblante e ele a sordidez. Não olhei mais porque tive uma impressão penosa a respeito deles.
Ao lado do meu marido estava um senhor do interior, com um típico chapéu de palha, botinas, e o palheiro no bolso da camisa. Resmungava que só ele. Cada vez que o telefone tocava ele dizia “Porca miséria”. Cada vez que alguém se levantava ele dizia “Porco ziuna”. Quando a porta do consultório se abria ele levantava, e quando chamavam os outros, emputecido dizia “Grunf grunf”. No mínimo ainda tinha que passar no banco para pagar o papagaio ou o pronafinho e pegar o ônibus na pracinha que voltava para o interior. Arrisquei até a localidade em que ele morava – Linha Invernadinha – tudo a ver com ele. Acho que ele foi fazer exame de próstata.
A Dona Lídia saiu acompanhada das enfermeiras, no auge dos seus 76 anos submeteu-se sozinha à uma endoscopia. Estava à mercê do motorista de uma Kombi que havia trazido vários doentes do interior para consultas na cidade e não podia sequer pronunciar o nome dele. Essa situação me deixou extremamente triste.
Finalmente fui chamada. Deixei meu marido que já estava dormindo junto com a Dona Lídia que ficou ao lado dele se recuperando dos exames, dormindo também.
E o casal?
Tremo só em pensar.