As imagens desta página foram retiradas da busca Google, caso seja sua criação e não autorize postá-la, favor entrar em contato comigo que retirarei imediatamente. Obrigada!
 

 
 
LÁGRIMAS SOBRE OS MEUS DIAS...
(Da Série: Ai, Que SAUDADE...)
 
Animal não pensa. É o que cientistas, especialistas e estudiosos no assunto afirmam. O Lobo, nosso cachorro da raça pastor alemão lá da minha infância, eu quase podia jurar que ele pensava. Muitas vezes mais e melhor do que meus irmãos e eu.
 
Papai a vida todo com aquele temperamento sério e autoritário não permitia cachorros dentro de casa, nem que meus irmãos e eu ficássemos agarrados com animais. Mas, bastava ele sair para Lobo agir totalmente diferente. Dava voltas ligeiras por todo quintal, remexia onde não devia e corria para perto de nós. Lobo parecia conosco. Um sapeca! Diante de papai, éramos anjos comportados. Por detrás das vistas dele, aprontávamos!
 
Um dia papai saiu mais cedo e o rádio estava ligado com o volume alto animando a casa. De certo o Lobo pensara ser um convite para entrar na brincadeira! Não perdeu tempo e tomou uma atitude ousada jamais feita, porque se fizesse, certamente seria repreendido por papai.

Uma das minhas irmãs, mais velha do que eu, estava na copa cantado e foi surpreendida pelo cachorro. Ele pulou em cima dela. Ficou de pé apoiado com uma pata em cada ombro. Encostada na parede de frente para ele, assustada e com nojo, virava o rosto para fugir do bafo canino. E a música seguia tocando. Minha irmã desesperada tentava livrar-se dele. Com aquele movimento de fugir do cão, dava impressão de que os dois dançavam. Era isto o que eu via! Um casal dançando um tanto quanto desajeitado. Eu morria de rir. De doer a barriga. Imaginava o cachorro dizendo, “tá bom pra cachorro”. Para mim, era a Bela e a Fera saídos do conto infantil direto para minha casa!
 
Puxa! Rio todas as vezes que recordo deste fato. Uma cena digna de filmagem! Pena naquela época não haver, como hoje, a facilidade de uma câmera digital ou um celular em mãos para registrar aquele engraçado momento. Provavelmente já estaria no Youtube fazendo maior sucesso com exagerado número de acessos.
 
Lobo era especial. Gostava de ficar no portão vigiando a rua e latindo para quem se atrevesse a pisar na calçada. Era sua diversão assustar a garotada da rua. Parecia que ria  dos gritos dos moleques. Atento ao movimento da casa, para cada um dava tratamento diferenciado. Sabia todos os gostos de papai, por isso nunca entrava dentro de casa. Sabia que não podia pular em cima de mim porque eu tinha medo. Lobo era muito grande, me arranhava, eu vivia chorando por tudo e por nada.
 
Lobo era nosso amigo e X-9. Quando avistava papai vindo  lá no início da rua, ele botava o rabo entre as pernas e rapidinho corria para os fundos do quintal. E nós, habituados aos sinais dele, acompanhávamos sua atitude. Ficávamos todos comportados para não haver zanga. Era filho descendo de árvore, filho guardando arapucas ou deixando de fazer alguma travessura que aborrecia nosso pai.
 
Numa manhã ouvimos Lobo brigar. No muro encurralado, um gato com pêlo eriçado e  arredio. Enfurecido e todo esticado que parecia enorme. Os dentes afiados estavam à mostra. Lobo latia enfurecido e atacava. Papai tentou apartá-los. Antes do auxílio de papai, o gato enfiou a pata no ouvido do cachorro que ficou sangrando. Lobo largou o bichano que disparou para o quintal do vizinho.
 
Mesmo medicado, Lobo ficou com inflamação num dos ouvidos. Por conta do ferimento, apesar dos cuidados e troca diária do curativo, deu berne dentro do ouvido. O veterinário informou que não deu esperanças de recuperação. Todo dia Lobo sangrava e já não podíamos ficar perto dele por recomendações do veterinário. Segundo ele, a dor poderia deixá-lo louco e agressivo. Todos nós sofríamos dores na alma vendo nosso amigo de travessuras sofrendo dores no corpo sem promessas de cura. Lobo caminhava para o seu fim. Triste e prematuro fim.
 
O Lobo quando papai estava em casa sequer ficava parado do lado de fora na porta. Naquele dia ele chegou a entrar na sala e ficou olhando para minha irmã caçula. Papai tentou colocá-lo para fora, mas ele ficou por um tempo deitado lá. Talvez estivesse sem forças para sair. Só depois se dirigiu para o quintal indo para a onde estávamos meus irmãos e eu. Fiquei um pouco assustada crendo que Lobo fosse nos atacar. Só que ele nem chegou perto. Parou no meio do caminho. Olhou para cada um de nós demoradamente e se foi para os fundos da casa. Uma tristeza tomou conta de mim. Havia chegado a hora dele. Pressenti.
 
Não se passou meia hora e papai o encontrou  morto debaixo do tanque. Lugar escolhido para morrer. Longe dos olhares de seus donos. Não queria que nós, seus “irmãos”, víssemos morrendo. Ainda machuca esta lembrança.
 
Nem só de risos vivi enquanto criança. Com a morte do cão, tive muitas lágrimas sobre os dias que se seguiram. Conheci pela primeira vez a dor de perder “alguém” tão próximo e querido. Sim, Lobo não era gente. Mas era meu amigo. O amigo irracional mais racional que já tive até hoje.