As letras correm
As letras correm. Pra cima. O filme acabou na TV, e eu não sei o que faço agora. Chorei. História triste. Eu estou triste. Difícil entender esta sensação de que me falta algo. A garganta parece doer, é sede. Mas a água não me sacia. Sinto sono. Quero dormi. Mas a cama me repele. Minha nuca dói. As costas. As pernas. As mãos. Elas repuxam como se algo quisesse me virar do avesso. Mas na realidade não sinto nada. Tento uma explicação pra angústia, mas não consigo. Não sei o roteiro do meu filme. Não sei o que o diretor quer dizer com a expressão de dor que vejo no espelho. Que sensação causaria na platéia de um cinema. Ninguém choraria. Eu também não consigo, embora meu organismo jorre lágrimas por todo meu corpo sem que meus olhos ou qualquer parte da minha pele se umedeçam um momento sequer. Meu Deus, o que é isso? Tem que passar. As paredes parecem me engolir, num clichê de um outro filme hollywoodiano qualquer. Tem uma hora que elas param. Ou eu morreria esmagado. Mas nunca ouvi fala de que alguém morresse de angústia, a não ser que tenha se suicidado. Porque escrever estas palavras, se ninguém vai ler? Se nem sei o que sinto? Deveria dormir. Minhas costas doem, minha nuca novamente enrijece. É a dor que segue pelo meu corpo me avisando que eu devo sossegar.
Uma amiga me perguntou se eu estava bem. Menti. Disse que sim. Escrevi no computador minhas dores e angustias. Minha solidão. Mas não consegui enviar. Tive medo. Dor, angustia, solidão e medo. O que mais virá? Vergonha é a resposta. Alguém que não consegue sofrer, mas pode estar assim. Como lidar com o que estou sentindo, o que fazer? Será você minha saída ou minha perdição? Não amo você. Ou amo? Não quero você ao meu lado, mas lhe vejo em tudo. Muletas. Isso que você é. Ou não. Posso usar você para aliviar este sofrimento? Por que não? Me falta ar. Não consigo mais, preciso acabar com isso. Cadê meus amigos. Por que não estão aqui? Cadê você? Por favor, alguém me ajude. Meu ar. Cadê? Minhas mãos se mexem sem que ao menos eu consiga pensar no porquê. Estão mais rápidas. Minha mente também. Mas ela está dividida. Uma parte sofre. A outra tem pena. Pena de mim. Socorro! O que eu faço?
Vou me deitar. Encontrar o sono, o sonho. Ou pesadelo. Não posso ter pesadelos. Só posso sonhar. Tenho certeza. O que eu faço, meu Deus? Puta que pariu, algué me ajude. Não sei o que fazer. Não quero trabalhar. Não quero me divertir. Quero beber. Quero morrer...
Não. Não quero. Quero viver. Sem angústia. Quero o cara que via no espelho de volta. Não quero pensar. Só quero respirar. Quero gelo pra anestesiar, quero álcool pra curar, quero maconha, quero ópio. O que faria o ópio na minha vida? Deve ser melhor, ao menos é mais elegante que cocaína, crack. Não quero isso.
Cachaça, que molha meus lábios e queima minha garganta. Podia me anestesiar, mas não o faz. Só me faz sentir na boca o gosto do macarrão da janta. Não tenho a menor vontade de vomitar. Mais um gole. Quero outro e outro. Quantos vou agüentar até não agüentar mais esta dor. Vou dormir. Mais um gole. Quero água. Quero cerveja. Outro gole. Quero cachaça.
Não quero mais nada. Só quero dormir. E trabalhar. Sem pensar. Ofender qualquer um, sem dó. Copiar sem vergonha. Distorcer sem remorso. Quero fugir. Quero respirar. Senhor, me dê ar, por favor. Só ar. Mais nada. Eu juro. Só ar...