Personagem forte
As sessões do centro espírita eram sempre as 2ª e 6ª feiras no bairro que para muitos é o berço do samba carioca, onde nasceram escolas de samba como a Deixa Falar, Vizinha faladeira e hoje a Estácio de Sá. Terra de Ismael Silva, que hoje abriga a passarela de todas as escolas de samba do Rio de janeiro. As sessões começavam sempre as 8 horas da noite, mas os consulentes chegavam bem mais cedo, por volta das 4 da tarde, na esperança de serem atendidos mais cedo. Todos ficavam sobre a calçada da rua, em frente ao terreiro, que estava instalado num sobrado do século XVIII, caindo aos pedaços. O imóvel pertence ao conjunto de casas todos corroído pelo tempo e mais cheirosos pela falta de conservação.
As primeiras pessoas a chegarem eram sempre as mesmas de todas as sessões e nesse conjunto de pessoas, tinha uma senhora de uns oitenta anos de nome Glória, que morava no bairro distante da Penha, mas a sua presença era religiosa. Tinha o hábito de guardar o lugar para a retardatária Leivinha, uma senhora sexagenária, de boa alma, obesa e por isso caminhava devagar, mas morava próximo do templo.
Também fazia parte dessa turma o português Dalmar, sessentão, morava perto, pintava os cabelos de vermelho, magro e alto. As seis da tarde pontualmente deixava o seu lugar guardado na fila e ia ao botequim próximo bebericar umas cervejas e aproveitava para acompanhar a novela numa televisão que tinha no bar. Mais tarde ele voltava para o seu lugar de origem que era a fila.
Mas a protagonista desta história chama-se Valdina. Uma mulata vistosa, viúva, uns sessenta e dois anos, capricorniana do primeiro decanato, mãe de um casal, usava vestido com estampas fortes de seda, unhas dos pés e mãos sempre feitas, brincos, colo dos seios a amostra, cordão fino de ouro no peito, que tinha como pingente a estrela de Davi.
Moradora do município de São Gonçalo, vivia para se divertir, viajando sempre para Minas Gerais, terra onde conhecia muita gente e tecia excelentes comentários do povo mineiro.
A Valdina era daquelas pessoas prolixa, só ela tinha a palavra, não deixava ninguém falar. Dona da razão absoluta, só ela estava certa. Nas quatro horas de espera na rua que tem nome de presidente, o grupo sentado no meio fio, ilhado de oficinas de automóveis e vira-latas vagando pelas vias, um mal cheiro terrível de mistura de lixo, detritos de animais e tinta de carro, tomava conta do local.
Um lugar decadente, nessa fila a espera de entrar na Casa, se conversava de tudo para amenizar o longo e cansativo tempo de espera, a Valdina era o centro das atenções. Era uma industria de produzir intermináveis histórias por ela vivida. De temperamento extrovertido e tempestuoso, gostava de todos ali, mas não admitiria que ninguém passasse a sua frente, dizia que a negona, (ela) não era de brincadeira e se fosse necessário em qualquer circunstância ela sairia na mão.
Costumava dizer que a pessoa muito autoritária grita, faz ignorância tentando intimidar o próximo. Mas que com ela a banda tocava diferente, pois gritaria mais alto e cairia no pau. Segundo a negona, quando isso acontece o autoritário sempre bota o galho dentro.
A Valdina dizia que nunca esperasse dela algo que pudesse engolir a seco, pois não era de sua natureza levar desaforos para casa, desse mal jamais morreria. Uma mulata bonita, que estava sempre de bem com a vida, costumava a dizer que a gente leva da vida são as coisas boas. Que cada um de nós têm que carregar a sua cruz e essa ninguém tente em dividir com ela.
A Valdina é desses seres humanos que se conhece e depois de um curto tempo de convivência nos acostumamos. A Val era um personagem fácil de se dar, boa gente, capaz de prestar ajudar a quem precisar. Certa vez narrando uma de suas histórias, demonstrou tanta emoção em seu discurso, que bateu com tamanha força no peito, que o impacto foi tão grande que todos que estavam em torno dela ouviram o baque. A cena foi bastante hilária que todos riram, inclusiva a protagonista. A situação foi tão engraçada que a gente passa meses, anos e será sempre lembrada, como um quadro marcante para quem gosta de contar "causos nunca vistos".