INSÔNIA BESTA

A noite alta aferrolhou-se na minha insônia, e este eu, de manso em manso, a querer refúgio de lençol. Lençolzinho alado, de orelhas.

Veio mais a vir madrugada, ladina que nem gato de boia-fria. E toda se esticou aos eitos do horizontal, ainda de rumo no entoado cantar do galo.

Dos olhos meus de pangaré, solto no pasto, sono ressabiado algum caía de chuviscar, na sonolência leve da aragem.

Daqui para menos tempo, o sol iria, na légua e meia de espaço, entronar-se na folhagem do jambo defronte, sem sequer sorrir gotícula de luar.

Fui à área, passos ao portão, num depois dei corpo à janela do relento; a lua, agora sorridente, carpindo no areal de praia do sem-fim celestial.

Madrugada bacante, em lingerie, cabelos longos e todos xampuzados de silêncio, à espera de parcas esperanças – tudo ausência.

Lembrei-me, sem saudade, do velho burro do Camará, pedacinho de sítio matuto de meu pai. Burrico carente de juventude, o bicho chiava no comboio e se descadeirava na carga para não transportar as importunas pessoas de duas sacas de arroz.

Caviloso, o burrico ostentava nome lírico, chamado por apelido carinhoso de Caboclo Chato. Morreu muitas e tantas luas depois, nada de se lhe montar nem ao menos um quilograma de lã.

Por que diacho me ocorrera recordar, ainda assim àquela hora das estrelas, a figura incomum de um burro metido nos colarinhos? Insônia besta inventaria cada bobagem! E a malandragem dele, Caboclo Chato, sem ruminar um capim, tirante a idade em desuso? Preguiça de botar-se a caminho sempre esteve ali.

Xô!... Outro pensamento inusitado ecoou-me, de repente, na goela da noite, já feita madrugada: caboclinha fêmea que desabrochou primeira regra nas águas do dito e referido Camará, o sitiozinho quase montado nas barbas do Monte-Mor.

Era mulata, menos que pardavasca, um chocolate corzinha de Gabriela amadiana. Um mau-olhado de sortilégio, coisa-feita de encruzilhada, debaixo das ventas do homaral da serra. E eu, ainda escasso e desprovido de fibra varonil, apenas um meninico me chegando, acuado na caça da cutia.

Depois da tal Adélia, que tem timbre de flor, como num teipe de fita pornográfica, a rodar à minha cabeça, mulherio às pencas, advindo, uma a uma, bem aqui, às vistas deste seu freguês.

Todavia, sem lubricidade, pois não é que me fixei de lince foi nos peitos noviços de Adélia, epíteto hoje consagrado que me soa sarau mavioso e suave? A de hoje, ordem do dia, a Adélia das Gerais: Adélia Prado, esta, linda poetisa maior, mineiridade, licença poética.

Mas a outra Adélia, cabritinha nova do Camará, existiu mesmo, mas foi agora nas minhas relembranças. Era de ancas teúdas e dunas mamárias de uma exuberância, no colo, tudo de formato e acúmulo artísticos. Ela toda, de baixo a riba, tora de maçaranduba.

Insônia besta... Quase recomeço da manhã, o sol dizendo vou já, já. Longínqua, a Adélia campesina; e agora Belisa aporta-me na camarinha dos olhos. Por outra, de plantão, vigilante de ressaca, foi que me fui dormitar, bolinando com as letras do teu anagrama, oh Adla, a poetisa, sem nem mais que eu sonhasse.

Fort., 30/04/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 30/04/2010
Reeditado em 30/04/2010
Código do texto: T2228808
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