José on line
Escrevo esse texto e, daqui a alguns segundos, após publicá-lo em um blog, dezenas de pessoas do outro lado da cidade, do país, do mundo, chegarão até ele e, consequentemente, até mim.
Enquanto escrevo, escuto (algum) José que, próximo à janela da minha casa, vasculha os sacos de lixo, prontamente postos na frente das casas da rua em que moro.
Ainda me lembro do primeiro dia em que ouvi os ruídos produzidos por José. Sons de cacos de coisas, vidros, plásticos, papéis sendo catucados daqui para ali. Eu, aflita, dentro de casa, ouvia aqueles sons e tremia, ao cogitar a presença de um outro José, um José que, ocasionalmente, nos visita , a espreita, nem sempre na boca da noite, em busca de tomar-nos algo de que não queremos abrir mão, por menos dinheiro que nos tenha custado esse algo.
Naquele primeiro dia, ao ouvir os ruídos contínuos e próximos, abri a janela cuidadosamente e em posição de ataque dando, para a minha aliviada surpresa, de cara com uma cena que, naquela noite específica, pareceu-me bastante inusitada. O que eu vi foi (um) José que, munido de sua tecnológica força braçal, suspendia com muita dificuldade, uma pesada carroça, repleta de entulho. Abarrotada de toda qualidade de resto de objetos minimamente aproveitáveis.
Preenchida de um alívio ligeiramente incômodo, fechei a janela indiferente e dormi tranqüila, sabendo que, lá fora, os ruídos que eu ouvia, eram produzidos por (este) José, de quem eu não guardo maiores lembranças porque não pude deter-me a olhar seu rosto quando abri a janela. Ele, por sua vez, não se atreveu a levantar a cabeça, certamente receava incomodar-me.
Os ruídos desta noite produzidos por José fizeram-me pensar, durante cerca de cinco minutos, sobre o pacto secreto que existe entre nós e nossos respectivos Josés.
Ao pensar sobre este pacto que regulamenta a utilização dos restos das nossas coisas por todos (estes) Josés, chego à seguinte constatação:
Eles vêm, após o recolhimento das famílias que, bondosamente, lhe propiciam os recursos necessários à sua sobrevivência e, longe dos olhos da sociedade diurna, realizam sua valiosa colheita, geralmente na companhia de uma criança, de um cachorro, ou de ambos.
José não nos toma nada, as regras do seu trabalho estão implícitas nas evoluídas regras da nossa sociedade. Enquanto isso, nós acompanhamos a evolução biotecnológica em tempo real no site da NASA, aliviados, porque sabemos que são estes Josés que circundam nossas casas nas horas mortas da noite.
Aqueles que nos espreitam são estes Josés e para onde eles vão, todos nós já sabemos.