O RELÂMPAGO, O SEQUESTRO E O TROVÃO
Voltando para casa, tudo era igual a qualquer dia: trânsito, rádio ligado, gente estressada, criança pedindo no farol, tudo na mesma correria da Rush Hour, então, ouvi, no vidro, uma batida - ignorei até notar que quem batia era o cano de uma arma - e quando percebi, ter esquecido a porta destravada, tornou-se um pesadelo, dois vampiros da cidade grande, invadiram a minha casa sem ser convidados.
A mente, nessas horas, é céu em tempestade. O que fazer? ela pergunta, e antes mesmo que eu pudesse responder, ela atira: reaje, faz alguma coisa, não reage, fica parado, cadê o governo? cadê a polícia?
Sou dominado! Um deles assume o volante, um outro aponta a arma para a minha cabeça. Não é cena de filme, mas estou preso numa cena Tarantinesca; onde eles falam mil besteiras, essas coisas que todo mundo tem medo de ouvir ou não quer que aconteça. Não tenho ouvidos para as ameaças, eu só quero que aquilo tudo desapareça e eu volte, são e salvo para casa. Não volto!
Era para ser relâmpago, transforma-se em trovão; fui vedato, levado para qualquer canto. Piedade, eu peço; misericória, eu rogo, nada! Sou amarrado e jogado em um buraco, em cima de um colchão molhado com cheiro de mofo, barata e rato. Quanto tempo mais? Eternidade?
Oração que é bom? Deus saiu de férias, não me ouve, deixou no lugar a minha desgraça. Meu coração parece que vai explodir, tudo em mim treme. Penso na minha família, esqueço de mim. O tempo? Que tempo? Há o tempo da vida, e o tempo do sequestro. Inferno é viver em cativeiro. Pensando nisso, lembrei dos pássaros que eu tenho engaiolados lá no sítio - imagino libertando-os e essa sensação me enche de alívio.
Lá pelo segundo dia, eu acho, ou pelo quinto, não sei, estou cego para o mundo, enterrado em meus próprios excrementos, lágrimas e alimento que nem cachorro sarnento quer; penso em minha mulher, sinto saudades! Fico imaginando se ela pode me ouvir, daí, desisto, não acredito em telepatia, mas quando a agonia é grande, até ateu lembra de Deus; e quando pensei nisso, rí, acho que pela primeira vez desde que começou o meu pesadelo, desde que aquela onda me envolveu. A partir daí, começou uma nova vida, eu não era mais humano, era bicho estranho que tinha um dono. Se eu recebia comida, eu comia; se era para fingir de morto, eu morria.
Percebia, vozes, algumas eram nervosas, outras um tanto calmas, ouvi até voz de criança; sabia que era dia, quando ouvia lá fora os pássaros cantando; que era noite, quando o silêncio tornava tudo ainda mais desesperador.
Em meio ao " não posso fazer nada", a escuridão daquela situação foi se amenizando, e enfim, consegui sentir algo, uma quase-presença ao meu lado, me pedindo calma e paciência; e percebi que quando o homem cessa, Deus aparece; quando o mal-pensar cala, a luz fala.
Chorei, dessa vez, de alegria; pois voltei a acreditar que tudo daria certo no final.
Foi por essa razão, que eu estava calmo, sereno, quando a policia me libertou do cativeiro. Eles disseram que passaram 90 dias desde que eu havia sido preso, para mim, foi uma vida; mas o que eu sentia, não era tranquilidade; na verdade, era apenas uma reação de alguém que descobriu o poder da prece e o quanto preciosa é a vida, e mais valiosa ainda, a liberdade.
Frank Oliveira
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