ATRÁS DOS BASTIDORES
As aulas começam às 7h e lá vou eu. A moçada já no portão. Chego junto com o sinal. Aproveito o embalo. Vou coordenando a entrada. O dia-a-dia de uma Supervisora não é mole. Quem trabalha nisso sabe. Recursos humanos insuficientes. A gente acaba sendo uma espécie de faz-tudo. Pôs o pé na escola, acabou. Não vê o tempo passar, não vê mais nada. Parar só depois do último sinal... Especialista em Educação. Quem é a figura? O que faz? Assessoramento Pedagógico. Essa seria a função principal. Digo seria, porque não é. Corre daqui, corre dali. O que menos se faz é assessorar o professor. Cadê tempo?
Vamos lá? O pai esperando pra conversar. “Mandou me chamar? Sou o pai do Fernando”. “Pois não, só um minuto”. O menino com dor de cabeça. “Você tá com febre meu filho, nossa mais de 39°, sua mãe tá em casa?”. A mocinha em choro convulsivo. “Chi! Terminou o namoro, ontem?”. O professor acena à porta da sala. “Já vai, não esqueci seu mapa, não!”. Alguém reclama. “Tá bom, tá bom vamos já ensaiar o teatrinho”. O telefone chama “Ah, tá, não esqueço, reunião amanhã às 8h”. A moça à espera. “Você é... Ah, sim, a do estágio”.
Ué, na faculdade era isso? Claro que não! Lá a gente discutia os grandes filósofos, estudava os nomes consagrados das teorias educacionais. Amava Jean Piaget, amava Vygotsky. Admirava Emília Ferrero e Ana Teberosky. Queria sonhar com Rubem Alves e Paulo Freire. Morria pelos pensamentos de Madalena Freire e Alicia Fernández. Queria entender Freud e os caminhos da psicanálise para desvendar mistérios...
Mistérios? Mistério é a realidade aqui fora. A dura realidade das escolas públicas e suas condições de funcionamento. Professores mal remunerados. Total deficiência de recursos humanos e de atendimento ao aluno. Pra não dizer mais um mundo de coisas. Sonhos no chão, descrença. Pressão do sistema. Seres humanos, meras máquinas, avaliadas em gráficos. Conhecimentos treinados, medidos e pesados. Números para as estatísticas de um Brasil alfabetizado (?) e fazer média com os Países lá fora...
Aglomeração na minha sala. Sou médica, enfermeira, assistente social, psicóloga, amiga, mãe, irmã mais velha... E em última instância, Supervisora. Dou conta disso? Vamos por partes. Sou paciente. Apesar de tudo amo meu trabalho. Adoro esses alunos, moças e moços com quem me dou muito bem. Chego ao fim. Tudo se acalma. Agora é a reunião para um batalhão de professores no fim do dia. Vamos à pauta? Absorta nos papéis, sinto a presença. Mais um? Nem levanto os olhos. Tento ser jovial pra descontrair “Pois não, coração, quê que é pra você?”. Sem respostas. Encaro meu visitante. Ui, que susto! Que vergonha! Quero sumir no chão. Diante de mim, um ilustre, nobre, sério e incrédulo pai de aluno me olha estarrecido...
Saio correndo, com a cara pegando fogo. Vou rir no banheiro até não ter mais forças. Que remédio? Eis a sina de uma pobre Especialista em Educação...
(DEZ/2006)