O Major que desafiou a ditadura

Eu já disse neste recanto que Itabaiana resistiu ao golpe dos militares em 64, da forma mais altaneira. O prefeito Hugo Saraiva suportou muita pressão até ser levado à renúncia. Mas antes mandou meu pai, seu secretário, redigir um manifesto de repúdio à quartelada. Essa forma corajosa de encarar os milicos não foi comum entre os políticos da época. Foram muitos os pusilânimes, os fracos e covardes que se puseram de quatro diante do poder armado e despótico. Em Itabaiana, o Exército teve que enfrentar homens do quilate de Hugo Saraiva, Arnaud Costa e tantos outros que não se curvaram no primeiro momento da ditadura. Depois tiveram que fugir, outros renunciaram aos seus cargos à força, como foi o caso de Hugo Saraiva. Na História ficou a atitude corajosa de dizer não à violência com que os fardados golpearam a democracia.

Um dos que reagiram contra a ação opressora do Exército foi o Major Nonato, rompendo com sua forma particular de ver o mundo. Esse Major da Polícia Militar da Paraíba era conhecido pela falta de finura e pela coragem pessoal. Em um homem tão afeito às coisas dos quartéis, era de se esperar apoio à ocupação de nossa cidade pela força das armas, desrespeitando cidadãos benquistos na sociedade. Mas o que estava em jogo era a dignidade do homem. Ninguém invade a casa de um cidadão bravo e destemido impunemente.

Major Nonato exercia o cargo de vereador e presidente da Câmara Municipal quando um capitão do Exército, acompanhado de seis ou sete meganhas, invadiu o recinto, armados com fuzis e metralhadoras. Os vereadores estavam reunidos, ainda ressabiados pelos acontecimentos do dia. Prisões, perseguições, invasões de domicílio de pessoas conhecidas, até a Prefeitura teve suas atividades normais prejudicadas pela presença ostensiva dos militares, em franco abuso de poder. O capitão mandou que o Major Nonato colocasse em votação a cassação do prefeito Hugo Saraiva. Resposta do oficial da Polícia:

─ Você é Capitão e eu sou Major, além disso, sou presidente da Casa e aqui quem manda sou eu. Faça o favor de se retirar da Câmara.

O capitão achou por bem sair para evitar um confronto. O Major Nonato ficou remoendo sua emoção e coçando o cabo da pistola, enquanto os demais vereadores permaneciam trêmulos em seus assentos, em estado de ansiedade pela consciência do perigo que passaram. O prefeito Hugo Saraiva ainda resistiu durante quase um ano. Depois, capitulou.

Era assim o Major Nonato, morador do casarão construído no topo da serra que hoje leva seu nome. Foi um policial caçador de criminosos, um super-homem fardado, destemido e “justiceiro”. A despeito disso, tinha seu lado humano. Gostava de Itabaiana, emprestava dinheiro a juros módicos para pequenos empresários ou trabalhadores que queriam começar um negócio próprio. Meu pai conta que na Itabaiana de então vivia um rapaz por nome Jaime de Mané Porcino, sujeito indolente e mandrião. Pois esse rapaz pintou a cara de tisna e foi falar com o Major Nonato para arrumar 500 mil réis emprestados a fim de comprar material para sua sapataria. Reconhecendo o dissimulado e disfarçado malandro, o Major assim negou o empréstimo:

─ Meu amigo, eu deixei de emprestar dinheiro a esse povo de Itabaiana, que é tudo um magote de velhaco. E tem um tal de Jaime de Mané Porcino, que além de ordinário, leva um chifre que dá dó.

Como delegado da cidade, Major Nonato prendia o sujeito e o mandava ir sozinho se apresentar na cadeia, para ser trancafiado.

─ Se não se apresentar ao carcereiro, depois eu mando lhe dar uma surra – ameaçava o Major.

www.fabiomozart.blogspot.com

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 28/04/2010
Código do texto: T2225357