FAROFINO MEU CHEIRADOR

Meu cheirador é muito eficiente e isto acarreta algumas complicações.

Já contei que detesto cheiro de leite fervido e que não suportava aquelas bolotinhas que a cabra da dona Benedita deixava no quintal. Nas férias - lá na fazenda - quando eu ia ao curral, argh!

Meu cachorro Brown, um labrador marron, adora fazer uns brioches bem pertinho de casa. Fico louca da vida.

Se alguém cortar pepino na cozinha, sinto de longe. Passar pelas barracas de peixe na feira é um suplício pra mim. Andar num carro borrifado de bom-ar também.

Tampouco me agradam os perfumes fortes. Nem que sejam franceses, dos bons. Não gosto de ficar perto de quem usa desodorante muito perfumado, nem de quem não usa nada e cheira suor, claro.

Tênis de moleque... vixi! Tem coisa mais fedida? Só queijo camembert, que, apesar disso, é gostoso pra caramba e caro pra chuchu. Ou xuxu?... Chuchu, com cêagá, podes crer. Com chis é a Xuxa. Aliás, chuchu não tem cheiro de nada. Mas laranja tem, limão tem, banana tem, até bem gostosinhos. Já pegaram casca de limão pra cheirar? É bom... Só não pode pôr na boca, machuca. Rodelas de abacaxi também cheiram bem. Goiabas, mangas, melancia, pêssegos, pitangas... e o caju? Que delícia!

Só a jaca é que não. Eca!

E as flores, então... rosas, jasmim, dama da noite... são tão perfumadas! Eu tenho uma orquídea linda que exala perfume de chocolate. E conheço uma flor amarela chamada pum de velha. Por que será?

Tem também uma ‘fruta’ – na verdade leguminosa – sabem como é? É verde, vem numa vagem e cheira chulé...

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(Texto editado, publicado na Usina de Letras, seção infanto-juvenil, em 06/03/2008)

Segue o 'comentário', feito na época, de um leitor amigo que prefere não ter o nome citado:

"O farofino de Beatriz...(na Usina) nos dá uma boa mostra para que serve bem o nariz. Não este de que se queixa o nosso Presidente, o do Judiciário, que andaria se metendo na horta dos programas de assistência social, e coisa e tal. Não, nada disso.

O nariz de Beatriz, que não é de Cyrano de Bergerac, e tampouco entra no PAC, tem seus dotes de sensibilidade extrema, à semelhança da visão de uma águia, do gosto refinado de um provador de vinhos, do ouvido musical privilegiado de uma Anna Netrebko, ou de um Yundi Li.

As vantagens de um dom dessas supimpas naturezas parecem superar largamente as desvantagens. Afinal, dão um toque de singularidade ao seu possuidor, um poder superior, com o qual podemos só sonhar, ou invejar, sem nada adiantar o simples almejar.

Ah, como é bom, por uma nesguinha que seja usufruir do prazer, por exemplo, de reconhecer, dezenas de anos depois o aroma de uma fruta, um determinado tipo de confeite, ou de um jasminzinho que seja, a nos transportar, de forma resgatadora, para momento vivido e aparentemente perdido na névoa inexorável do tempo...

Ah, Beatriz, seja feliz com esse seu nariz. E que ao fim deste colóquio nenhum de nós saia a Pinocchio".