AS UVAS... E AS RAPOSAS
“Quem eu quero não me quer,
quem me quer mandei embora
e é por isso que eu não sei
o que será de mim agora...”
Se tudo na vida dependesse de nossa vontade, se nossos desejos fossem, sempre, satisfeitos! Nossos sonhos não seriam mais sonhos, nossos desejos não seriam mais desejos. Tudo seria uma só (ou só uma) realidade! Dura, concreta. Nossos planos deixariam de sê-los. E a graça da vida deixaria de existir, uma vez que a luta incentiva e motiva, sempre.
A nossa inconstância talvez seja a maior dificuldade para mantermos nossos relacionamentos amorosos, aliada à nossa falta de predisposição ao novo, à mudança, ao repúdio à crítica, à (in)segurança. Julgamo-nos, via de regra, suficientes – e necessários – ao outro, e quem não nos quer não é nada mais que um coitado, digno de pena, vez que descarta uma bela oportunidade. De forma alguma passa pela nossa cabeça a possibilidade, por mais remota que seja, de promovermo-nos mudanças, alicerçados que estamos em uma pretensa firmeza de personalidade! “Se você quiser o meu amor / tem que ser assim / escondidinho, bem bonitinho / somente pra mim...”
Lutar, então, nem pensar. Exceto se a luta resultar sempre em auferir lucros, em recepção e nunca em concessão. Afinal, somos gladiadores, contendores, e não negociantes. Não há possibilidade de acordo. Que o outro, caso me queira, modifique-se a si mesmo! Eu estarei aqui: belo, fresco e sereno, a sua disposição. Não “moverei palha” neste sentido. E se o outro não me quer? Impossível! Mas, se houver a mais parca hipótese, aí, sim, lutarei com armas e dentes – faz parte da minha auto-afirmação -, nem que seja para depois desistir. “Se eu estou te dando linha / é pra depois te abandonar...”.
Acontece que “a vida não vale nada”! Maldosa, prega peça após peça! Traquina, uma armadilha a cada esquina. Perversa, só vibra com a condição adversa. E, de repente, eu me vejo às voltas com alguém me querendo... alguém que não quero. Pode parecer que isto seja agradável, infle o ego, mas é desgastante, pavoroso. Dizer nosso “não” o tempo todo, fugir ao assédio constante, implacável... E eu, de caçador, promovido a caça!
O pior é que terei que, ao concentrar meus esforços em fugir da perseguição, abandonar a minha batalha para conseguir o alimento para saciar minha sede de conquista! Ao ver-me em meio a obstáculos propiciados pelo intento alheio, transformo este outro adversário em alvo de minha raiva! Será que não vê que me atrapalha? Se realmente gostasse de mim, sairia do meu caminho! Deixar-me-ia em paz, para que eu decidisse a minha vida. Isso, se não fosse muito, torceria pela minha vitória, tornar-se-ia meu aliado!
“Eu era a raposa / você era as uvas...” e vice-versa! Só que, na fábula, a raposa não consegue as sonhadas uvas. E desiste, despeitada. E se você me disser que “a vida ‘não’ imita a arte”, vou te contrariar; partirei em busca de outra parreira, dizendo que aquelas uvas, ou estavam verdes, ou podres, o que, de qualquer forma, torna-as impróprias para o consumo!
12/08/05