Mestre Sibamba
" Ô Sibamba, Ô Sibamba,
que vida é essa tua?
Vive tomando cachaça,
e caindo no meio da rua!"
Não sei em que momento caí de cabeça no mundo dos Orixás ou como minha família inteira migrou das missas católicas de Domingo para os terreiros de Umbanda, mas tenho uma dívida de respeito e confiança com um Mestre Espiritual cujo nome é Sibamba. Antes mesmo que eu soubesse a diferença entre quem está na carne e quem só está em espírito, eu conheci essa entidade que a minha Tia Irismar incorporava no terreiro que fazíamos parte.
Havia qualquer coisa em seu olhar que dizia para o menino que eu era: " moleque, você não tem a menor idéia do que te espera!"
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Para quem deseja pesquisar mais aprofundamente a linha dos mestres da Umbanda, há, infelizmente, poucos registros, textos e fontes que nos informem um pouco mais sobre as origens e os mistérios envolvendo essas entidades tão iluminadas pela graça da caridade. Pesquisando sobre o Mestre Sibamba, deparei-me com raros registros, alguma coisa escrita, impressa e on line sobre as linhas dos baianos e boiadeiros, e muita desinformação também, especialmente a respeito do Mestre Zé Pilintra, que é, das linhas dos mestres, a entidade mais conhecida no Brasil inteiro.
O que causa tanta incompreensão nessa linha específica é a possibilidade desses mestres incorporarem em qualquer banda, gira, inclusive na vibração das linhas da esquerda dos exus. Não sendo eles nem caboclos, nem exus, essa linha não se adequa a organização dos terreiros e de suas nomenclaturas. O que se sabe, portanto, é que tanto Zé Pilintra quanto o Mestre Sibamba, são mestres da Jurema e vibram nas emanações de Aruanda, esses lugares míticos que fazem parte da mitologia da espiritualidade da Umbanda e de outros tantos ritos afrobrasileiros.
"Quem já chegou lá da Jurema foi Sibamba,
Quem já chegou lá da Jurema foi Sibamba,
São Sebastião levantou bandeira branca,,
É na paz, é na paz do Senhor,
Alegria do Reino Sibamba chegou"
Se eu era pequeno demais para compreender que havia um mestre do astral à minha frente; eu já era até bem entendido da vida, quando abandonei os ritos da Umbanda e neguei qualquer relação com Sibamba. Adolescente rebelde, não queria me vincular a nada que fosse diferente do que acreditava a massa; porém, a espiritualidade latente em mim, sempre me perseguia e não importava onde eu ia, acabava dando de cara com um terreiro, com um rito ou ouvindo algum chamado para retornar para casa.
Ignorei o quanto pude na vigília, mas o mesmo não ocorria quando eu dormia, pois eu sentia que alguém me visitava em sonhos, e ria, como ria...
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Contam as lendas e os casos que a história do Mestre Sibamba remete a época do Brasil Império, provavelmente em algum tempo do século XIX, onde o Mestre veio de Portugal para o Ceará, ainda criança. Ao chegar aqui no Brasil, durante um período de longa seca, ele perdeu a sua mãe, e acabou sendo criado pelo pai, que era dono de um bar.
Alcoólatra, o pai do menino, descontava a frustração no garoto, e na intenção de matá-lo, diariamente embriagava Sibamba; porém ao invés de morrer, Sibamba se adaptou ao álcool e, acabou se tornando um bebedor de primeira. Já Adulto, o pai faleceu, e ele assumiu o bar.
Por costume, Sibamba bebia muito, mas nesta altura já era um grande catimbozeiro, culto fortemente enraizado no Nordeste, trazido pelos negros e agregados aos cultos indígenas e outros costumes, da miscigenação cultural do nosso país. Ele sabia usar as ervas para banhos de cura, fazia partos, benzia as crianças contra mal olhados e fazia outras tantas curas; e foi, pouco a pouco, tornando-se o maior juremeiro do Ceará.
Com toda a fama que fizera, despertou em alguns, inveja e despeito; e não demorou muito para que Sibamba caísse numa cilada armada por esses zombeteiros. Como ele gostava de beber, nem desconfiou que aquela festa em sua homenagem num cabaré era uma armação, e o embebedaram a noite inteira até ele cair. Forte e destemido, Sibamba resistiu o quanto pôde, mas bastou o primeiro tombo, para que o atacassem; e conta a voz do povo, que foi preciso muitos homens para lhe tirar a vida.
"É com seu garrafão de cana,
tomba aqui, tomba acolá
'Seu' Sibamba é beberrão
mas sabe trabalhar..."
Demorou um certo tempo até que eu pudesse compreender que eu não tinha escolha: a espiritualidade era parte de mim, assim como era a escrita. Por mais que eu tentasse, eu jamais conseguiria "desacreditar" por muito tempo. Daí, trilhei vários caminhos espirituais, fiz pergrinações, caminhadas, viagens pelos mais diversos planos em busca de respostas, querendo provas, até perceber que no plano da matéria nunca teremos certeza absoluta que há algo além, pois assim manda a Lei Divina que rege os planos; o que é segredo, continuará segredo, não importa a peleja do homem ou suas teorias; e olha que eu tentei, descrever, poetizar, revelar, mas toda vez que eu chegava perto, eu me atrapalhava, perdia a fala, sumiam as letras. Entendi, por fim, que se não era possível ter a certeza que eu buscava, era preciso ter fé, afinal, eu já tinha visto e sentido coisas demais para duvidar da existência de algo a mais.
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Dentro da evolução espiritual dos reinos espirituais, e na linha da Jurema Sagrada, Sibamba foi designado pelos mentores superiores para trabalhar na linha dos Mestres, sendo considerado naquela epóca e até hoje, uma das maiores e mais respeitadas entidades espirituais.
Atuando em vários terreiros no Brasil e em outros países, onde a linha da Jurema é evocada, o Mestre Sibamba passou a ser conhecido por sua pisada forte e firme, sua risada estridente e gostosa, seu gosto pela cachaça, pelo vinho, o mesmo álcool que o matou, como se o uso da bebida fosse mesmo uma forma de nos mostrar que ele dominou o elemento nocivo do seu passado e o transformou num símbolo de cura durante os ritos feitos sob a sua orientação.
"Meu mestre me chamou
Eu venho trabalhar
é com seu garrafão de cana
Tomba aqui tomba acolá
Seu Sibamba é beberrão
mas sabe trabalhar
Na direita ele é bonzinho
e na esquerda é de amargar..."
Depois de conhecer tantos mestres ascensionados, deuses hindús, guardiões celtas, amparadores orientais e ocidentais dos mais diversos e ter trabalhado nas linhas da Cabala, dos mantras, das meditações transcendentais; parecia um retrocesso espiritual, voltar para a Umbanda, que com o passar do tempo, passou a significar para mim, um caminho espiritual atrazado e de fundo de quintal, onde não havia uma preocupação de formar estudantes espirituais e sim apenas "cavalos" de entidades do astral.
Durante quase 10 anos, tentei fugir da Umbanda e do estudo sobre os Orixás como um filho que se afasta dos pais por vergonha da família. Até que a Umbanda me pegou. Fui participar de um ritual do Santo Daime, e acabei numa gira de Umbanda.
De lá para cá, mergulhei num resgate do meu passado e das minhas origens e percebi, que sou mesmo fundo de quintal, mas com muito orgulho; eu sou terra, sou esse barro que forma o Brasil e criou essa linha tão temida pelos ignorantes das maravilhas que ocorrem dentro dessa doutrina.
Sim, canto mantras, grito pelos anjos, evoco os mestres ascensionados e bato tambor celta; mas também canto meus pontos aos Orixás, bato a cabeça no Congá de Oxossi e, para a minha surpresa, o destino, no último Domingo, reservou-me um encontro com um Mestre que me acompanha desde que eu era menino, e quando esse metre me viu, ele riu, bateu o pé firmemente no chão e falou:
" moleque, eu não te falei que você não tinha a menor idéia do que te esperava!"
"Oh Sibamba do auê
Oh Sibamba do auá
Se vc não me queria
pra que mandou me chamar?
Eu vou embora pra Bahia
VÊ as bainas de la
na Bahia tem macumba
e aqui so tem patuá..."
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