MARIA DE MARIA MARIA
Maria se chamava Maria porque não podia ter outro nome, nem sobrenome. Negra retinta, gorda, dentes e língua afiados. Era uma mulher grande, peituda, no sentido mais amplo da palavra. Porta-bandeira da escola de samba de coração, fizesse chuva ou sol, domingos e terças de carnaval, estava lá, na hora marcada, para mostrar a quem quisesse ver o que gostava de fazer: ser mulher para homem nenhum botar defeito, como bem dizia. Sambar? Sambava, mas estar com os pés apoiados naquele salto que a fazia maior ainda, sapateando sucessivamente ao som dos tamborins, não era bem o que mostrava ou queria mostrar. Isso era fácil, qualquer mocinha fazia.
Dançava para os homens, com outras intenções. Dançava de jeito a mostrar como mexer uma panela sem deixar o angu encaroçar, como clarear e torcer a roupa suada que lhe caísse nas mãos, como varrer um chão até esfolar o pano que ia para corda impecavelmente limpo, parecendo até um fantasma a balouçar no vento. Dançava para exibir-se mulher.
Com a bandeira da escola nos braços, rodopiava como se limpasse o céu, deixando-o ainda mais estrelado; nas ancas largas, o molejo maledicente mexendo com os pensamentos, propositadamente, atiçando a sanha das despeitadas e invejosas, das ciumentas, das alcoviteiras. Ela sabia e quanto mais sabia, mais fazia. Exausta, brilhante de suor e purpurina, lá no finalzinho da avenida, então, esticava os braços e distribuía marcas vermelhas do batom retocado minuto a minuto. Era a musa dos gays, das cabeleireiras, do pessoal do bairro, das manicures, da escola. Era o máximo!
Maria dos dentes brancos a distribuir sorrisos negros, incansáveis, bordados de uma alegria sem dono. De olhos de jabuticaba que caíam, subiam, passeavam, convidavam, piscavam, insinuavam, viam o que mais ninguém via. E diziam. O que ela queria, diziam, combinando boca e sobrancelhas. Menosprezava, ignorava, zombava. Maria das mãos grandes, unhas compridas, vermelhas; dos lenços em nós coloridos, cobrindo a cabeça africana, orelha adornada com dourados brincos de argola. De coração rente que nem pão quente.
Um dia Maria sumiu. Maria que podia ser Maria Amélia, Aparecida, das Graças, de Jesus, mas, nunca das Dores, sumiu sem deixar pegadas. Era o jeito dela. Deixou Roque para trás, deixou saudades, muitas! Penso que ela criou asas e voou. Melhor, criou asas e, subiu. Não sei se o Pedro, lá em cima, vai dobrar.
Maria se chamava Maria porque não podia ter outro nome, nem sobrenome. Negra retinta, gorda, dentes e língua afiados. Era uma mulher grande, peituda, no sentido mais amplo da palavra. Porta-bandeira da escola de samba de coração, fizesse chuva ou sol, domingos e terças de carnaval, estava lá, na hora marcada, para mostrar a quem quisesse ver o que gostava de fazer: ser mulher para homem nenhum botar defeito, como bem dizia. Sambar? Sambava, mas estar com os pés apoiados naquele salto que a fazia maior ainda, sapateando sucessivamente ao som dos tamborins, não era bem o que mostrava ou queria mostrar. Isso era fácil, qualquer mocinha fazia.
Dançava para os homens, com outras intenções. Dançava de jeito a mostrar como mexer uma panela sem deixar o angu encaroçar, como clarear e torcer a roupa suada que lhe caísse nas mãos, como varrer um chão até esfolar o pano que ia para corda impecavelmente limpo, parecendo até um fantasma a balouçar no vento. Dançava para exibir-se mulher.
Com a bandeira da escola nos braços, rodopiava como se limpasse o céu, deixando-o ainda mais estrelado; nas ancas largas, o molejo maledicente mexendo com os pensamentos, propositadamente, atiçando a sanha das despeitadas e invejosas, das ciumentas, das alcoviteiras. Ela sabia e quanto mais sabia, mais fazia. Exausta, brilhante de suor e purpurina, lá no finalzinho da avenida, então, esticava os braços e distribuía marcas vermelhas do batom retocado minuto a minuto. Era a musa dos gays, das cabeleireiras, do pessoal do bairro, das manicures, da escola. Era o máximo!
Maria dos dentes brancos a distribuir sorrisos negros, incansáveis, bordados de uma alegria sem dono. De olhos de jabuticaba que caíam, subiam, passeavam, convidavam, piscavam, insinuavam, viam o que mais ninguém via. E diziam. O que ela queria, diziam, combinando boca e sobrancelhas. Menosprezava, ignorava, zombava. Maria das mãos grandes, unhas compridas, vermelhas; dos lenços em nós coloridos, cobrindo a cabeça africana, orelha adornada com dourados brincos de argola. De coração rente que nem pão quente.
Um dia Maria sumiu. Maria que podia ser Maria Amélia, Aparecida, das Graças, de Jesus, mas, nunca das Dores, sumiu sem deixar pegadas. Era o jeito dela. Deixou Roque para trás, deixou saudades, muitas! Penso que ela criou asas e voou. Melhor, criou asas e, subiu. Não sei se o Pedro, lá em cima, vai dobrar.