BRASÍLIA

Para quem não e de Brasília vou comentar como era morar aqui nas férias escolares no final da década de 70, os cinemas que existiam simplesmente fechavam ou exibiam filmes baratos de baixa qualidade e muitas vezes repetidos, com exceção do cine Brasília que privilegiava o cinema nacional, era raro a exibição de um que fosse lançamento no eixo Rio - São Paulo, deles só se via as propagandas na tv, a impressão que dava e que a cidade inteira viajava quando o caos se formava na rodoviária, aeroporto e nas estradas com essa saída em massa.

Podia-se simplesmente atravessar a W3 norte de olhos fechados em pleno horário do rush, que naqueles dias se resumia normalmente à meia dúzia de carros, o conjunto nacional era o único shoping e só tinha o lado sul construído, para nós na época, uma maravilha mais parecia um mercado coberto, morávamos na 314 norte e de lá ate o lago norte só existia mato e algumas quadras das 400 Norte, e dos onze prédios previstos para sua construção só havia três, o G que era um prédio de apartamentos grandes tipo família radicadas aqui onde morávamos, o A era de um quarto para pessoas solteiras ou em transito e o I era dos funcionários do GEIPOT (órgão do governo), que vieram transferidos do Rio de Janeiro, a quadra era uma mistura que exemplificava Brasília.

Hoje, adulto ate posso entender o processo de vinda pra cá, mas não faria coisa igual com minha família, mas como saber o que e bom ou ruim o certo ou errado? A família de minha mãe era goiana de Ipameri e já estavam aqui a de meu pai Paraibana de Patos e já adaptados e vivendo em S. Paulo no ritmo da cidade grande de onde veio nossa educação de berço, que era diferenciada da ensinada pelos goianos, foi o primeiro choque, um verdadeiro isolamento, éramos brancos sardentos com sotaque paulistano e mais tarde no colégio onde a maioria era de afros descendentes vindos do Rio, mais problemas, agora com a cor, crianças vitimas de racismo por serem minoria branca, imagino como deve ter sido para os cariocas que foram transferidos do Rio de Janeiro terra do samba, praia e carnaval para esse Goiás triste e seco para executar serviços burocráticos da nova capital.

Grande leva de pessoas se aportaram aqui para trabalhar na construção de nossos prédios ruas e avenidas pessoas que só entendiam de plantar ou de criar animais, tomados pelo espírito aventureiro de soluções imediatas para seus problemas, abandonaram suas famílias, terras e dignidade, para se submeterem a uma vida de expectativa de crescimento numa terra de ninguém, um gigantesco canteiro de obras com pessoas diferentes e indiferentes às raízes de seus operários, deixaram de ser piauiense, paraibanos, maranhense, sergipanos, gaúchos cariocas e etc para serem simplesmente candangos, que por sinal um nome originado de um rato que aqui se estabeleceu o camundongo.

Junto com os anos setenta vieram os militares no governo e os atos institucionais, e na sua cola, sendo assassinados presos e expatriados, os estudantes, sindicalistas, poetas, escritores, artistas, políticos e qualquer um que não apoiasse o regime, mas a esquerda se organizava nos bastidores do governo nas ruas e centros acadêmicos e a policia federal dentro do nosso apartamento em busca de documentos de esquerda telefone grampeado um irmão preso político e a família desestruturada para essa atividade, mas hoje tenho orgulho a estória não passou em branco em nossas vidas apesar de ter sido mal interpretada, e isso deixou marcas difíceis de se apagar, mas tudo tem um preço decisões custam e sabem cobrar de quem as tomou, mas o militarismo caiu o governo civil assumiu e hoje à esquerda esta no poder exemplo no mundo sem derramamento de sangue.

Lembro ate hoje que a grande duvida entre a rapaziada era se o mundo iria sucumbir em uma guerra atômica ou pela falta de petróleo, existiríamos ou não na próxima década, os anos noventa e hoje tudo indica que a falta de água doce e que vai ser o grande problema em 2050 a diferença e que não sou mais adolescente e estou mais preocupado com problemas imediatos sem descartar os de futuro, mas cada um na sua para amenizar a vida e o cotidiano como se não bastasse, agora estamos e a volta com adolescentes e seus hormônios e a A.I.D.S herdada de movimentos libertários inventados por um psiquiatra e o L.S.D na década de sessenta.

Na tentativa de tentar enquadrar o ser humano em uma maquete, Brasília se tornou um projeto utópico, inadequada para o convívio de brasileiros acostumados com soleiras de porta com um banco para bater papo com os vizinhos e a calçada para varrer e em uma quadra de prédios de apartamentos não existiam mais vizinhos amigos de longas datas e nem uma praça para namorar uma rua para jogar bola e ver o movimento, foi absurdo não prever que habitantes iriam se aninhar ao seu redor em busca da humanidade das praças, ruas, calçadas e se beneficiar com a vizinhança do poder.

Com a carência de habitação e a oportunidade criada pelo descaso com a coisa publica, e que grileiros e políticos algozes a retalharam com loteamentos irregulares na sua área verde não respeitando a qualidade de vida e condenando os seus habitantes a sofrerem com os danos ao meio ambiente que um dia vai saber cobrar os maus tratos e creio que não vamos ter no futuro estórias de como conseguimos construir alguma coisa maravilhosa, mas, sim como fizeram para conseguir o seu quinhão de terra, e a maquete com sorte fica intocável, talvez para validar a sua permanência aqui, no passado um grande passo para o futuro com suas obras arrojadas, mas, hoje e a soma do desrespeito ao ser humano e ao meio ambiente.

Estou longe de ser um cientista social, mas todos que moram em apartamentos conhecem pessoas que ao sair do elevador em um corredor com vários apartamentos já anunciam a sua chegada a um determinado morador antes mesmo de tocar a sua campainha, como fazem alguns, que moram em casa, gritam o nome antes de tocar a porta.

E que se durma com o barulho deles.

Com essa narrativa, me reportei para alguns fatos para realçar a vida agora e como era naqueles idos, adolescência e uma fase linda e cheia de energia, e quando a passamos e que damos mais importância a ela com todos os seus altos e baixos.

A INICIATIVA

Foi nessa época que me aconteceu o que iria marcar a minha vida e me fazer responsável e habitante dessa cidade, já estava procurando a me virar sozinho, tinha aprendido serigrafia e montado um estúdio com meu irmão Edser o que me colocou em contato com muita gente interessante, a primeira namorada, Yarângela, morena vinda do Rio estilo gata raivosa uma paixão dessas de fazer a casa cair, eu cabelo comprido jeito largado do tipo menino carente, bom papo e mão macia só podia dar nisso a primeira gata a pintar no pedaço foi ótimo enquanto durou, percorrendo o mesmo caminho estava o desejo de vivenciar outras coisas.

Conheci o show de musica cabeças que acontecia no primeiro domingo de cada mês no parque da cidade, na primeira vez que vi passei a ter uma outra visão de Brasília ele acontecia a céu aberto no parque da cidade e o público era formado por uma moçada que realmente fazia a minha cabeça, pessoas ligadas ao alternativo afluíam em grande quantidade motivadas talvez pelo ar puro do parque, pela descoberta de novos grupos da cidade e porque não, amizades cúmplices da época.

Pouco tempo depois conheci através de meu irmão, dois radialistas da manchete que promoviam um outro show na ciclovia, ao lado da ponte do braqueto, que acontecia no ultimo domingo do mês, não eram pessoas com visão comercial, e quando os conhecemos nos propuseram que descemos continuidade ao show que estaria acabando pela dificuldade com patrocinadores, e abririam mão da produção.

Assumimos de imediato, e foi quando eu tive o prazer de fazer parte da historia da cidade no principio dos anos oitenta e de realizar algo que realmente me dava um prazer incrível a realização do show, a convocação dos músicos a produção do material de divulgação bem como a sua distribuição.

Lembro-me bem que certo dia estávamos para dar uma entrevista numa emissora de tv e saímos com João Madsom e uma banda chamada capacete do céu, saímos de bug com ele na direção para a torre de tv onde encontraríamos Renato Russo e banda e o Madsom chocou-se com o carro na nossa dianteira quando prestou mais atenção na motorista ao lado, e para completar na hora da entrevista a repórter me fazendo perguntas sobre o show e me pedindo para apresentar os músicos, simplesmente cometo a gafe de esquecer o Renato Russo que estava atrás de mim, éramos muito amadores, mas, como existia uma carência muito grande em movimentos culturais, tínhamos abertura para divulgação nas emissoras de radio e tv.

O palco de estrutura tubular cedido pela secretaria de cultura era muito bom, era montado no estacionamento da ciclovia ao lado da ponte do braqueto.

A sensação era inexplicável quando o caminhão chegava e começava a montagem e os testes dos equipamentos dando a exata extensão do nosso empreendimento que tinha um publico numeroso e contávamos inclusive com as equipes de tv documentando tudo, um dos patrocinadores que trabalhava com pasteis se instalou com uma barraca no local e ficou impressionada com o volume de vendas, a companhia de cerveja que também patrocinava, se comprometeu a dar todo o liquido de um caminhão de engradados de cerveja para o próximo evento era amador com cara de profissional e nós a cara do espetáculo.

Certa vês Renato russo e banda se atrasaram para se apresentar e meu irmão me consultou sobre a entrada deles e concordamos de imediato, por ultimo! Adrenalina a mil, nos ficávamos alucinados com tudo aquilo era uma loucura.

Renato russo se foi pela A.I.D.S ou talvez pela falta de um banco na soleira de uma porta e um vizinho para bater um papo amigo e uma rua para ver o movimento, mas fez o seu registro na historia da musica.

Outras produções existiram, fomos os primeiros a utilizar lâmpadas neom, no letreiro, para anunciar um show que aconteceria na escola parque o tocarina, e depois o tempo cuidou de levar consigo a fase, mas guardei alguns registros da época e essa década ainda produziu para o cenário nacional artistas como: Legiãio urbana, Plebe Rude, Cássia Eller, Zélia Duncan e outros que fez com que a nossa cidade tivesse, agora, o apelido da capital do Rock.

Se fosse quantificar ou qualificar o que fizemos eu diria que era uma gota de água no oceano, mas que me fez muito bem e creio que deve ter algum significado na estória da cidade.

DiMiTRi

Brasília 04/10/04 09:00