Ligando Tripa no aniversário de Brasília

Há quem lamente o fato de que, pela ocasião em que Brasília completaria 50 anos, tenha havido tamanho quiprocó com a prisão e destituição do governador, deixando a administração da nossa cidade esfacelada e perdida, o que prejudicaria e muito a tão merecida festa que vinha se preparando pra essa comemoração.

Eu não lamentei nem um pouquinho, apesar de considerar todo esse episódio, entre prisão e destituição do Arruda, um mero teatro que serviria de cortina de fumaça pros mensalões e outros atos espúrios dos que compõem o poder federal. Caso contrário, boa parte dos nossos "valorosos" e "ilibados" homens e mulheres públicos estaria na cadeia, assim como todo o butim estaria devidamente voltando pro erário, de onde só deveria sair em prol do bem estar da população como um todo.

Considerações políticas à parte, a classe artística da cidade andava muito pê da vida com os organizadores da dita festa porque, em vez de convidarem os muitos excelentes artistas locais pra fazerem as honras, planejavam trazer os nacionalmente famosos de outras cidades. Daí que acabaram conseguindo fazer com que rolasse uma festa alternativa à que aconteceria na Esplanada.

Assim tivemos a "Brasília outros 50", lá pelas bandas do gramadão entre a antiga Funarte e a Torre de TV, onde montaram vários palcos, além de organizarem uma pequena mas significativa exposição de obras de arte de artistas plásticos locais (entre eles, meus amigos Elder Rocha, Elyeser Szturm, Ralph Gehre e Sônia Paiva), apresentações teatrais de grupos brasilienses (entre os quais o Hugo Rodas, a Eliana Carneiro e os meus amigos do Udi Grudi), palestras, oficinas, mostras de vídeo e muito mais.

Bendita a hora em que a Patreca me chamou pra ir. Foram quatro dias em que, da manhã à noite, podia-se escolher o que assistir. E ainda se encontrava com velhos e queridos amigos.

Havia programações pra todos os gostos e estilos, do samba ao jazz, do pagode ao blues, do hip-hop ao rock pauleira, teve até uma conhecida banda da cidade que faz um cover muito competente das velhas canções dos Beatles (curti de montão!), sem mencionar os eruditos.

Mas de todos os que se apresentaram, o meu favorito é o já histórico, o folclórico, o irreverente, o eclético, o alegre, o pós-riponga* Liga Tripa, grupo musical que nasceu do movimento artístico alternativo que abarcava poetas de mimeógrafo, performáticos em geral e malucos beleza diversos, lá pelos idos do final dos anos 70, e que costumavam se apresentar informalmente pelos bares da rapaziada, como o famoso Beirute, bem como nos mais variados acontecimentos públicos e notórios que rolassem por aqui, quase sempre na qualidade de alternativos e inconvencionais.

O Liga Tripa, que mantém muitos dos componentes da formação original, hoje é formado por Aldo Justo e Sérgio Duboc nos violões acústicos, Carrapa do Cavaquinho no cavaco, Toninho Alves (cujo cachorro o acompanha sempre, inclusive nas apresentações) na flauta transversal e flautim, Fino na percussão e o meu grande e velho amigo Jonatas Caloro no negão, que é um instrumento feito a partir de um caixotão de madeira, no qual se acopla um cabo de vassoura em cuja ponta superior ata-se uma corda e que funciona como um contrabaixo acústico, de som grave e bem característico.

Eles cantam e tocam composições próprias** na maior parte, que além de misturarem divinamente ritmos diversos como rock, baião, blues, jazz, samba e choro, costumam contar um pouco da história da cidade, fazendo muitas referências a pessoas e locais típicos de Brasília.

Por terem começado se apresentando livres, leves e soltos entre as mesas dos Beirutes da vida, sentem-se mais à vontade em apresentações informais, longe dos veludos e dos refletores dos palcos de teatro, sempre com a sua marca registrada que é a imensa alegria de tocarem e cantarem transbordantes de humor e irreverência, tornando evidente que sentem muito prazer com a coisa toda.

E não pensem os apressadinhos que, por causa do ar de gostosa brincadeira que permeia o seu trabalho, eles sejam músicos desleixados ou amadores. Ao contrário, depois de tantos anos tocando juntos e tocando muuuito, hoje são senhores músicos, competentes e talentosos, de qualidade inquestionável. Quando tocam e cantam juntos, o resultado é pura harmonia, no sentido mais amplo do termo.

Pra mim e pra muitos daqui, o Liga Tripa é o grupo que melhor traduz o jeito legitimamente brasiliense de ser, porque é a cara de Brasília -- essa feliz mistura de sotaques, culturas, ritmos, modas e modos que, afinal de contas, representam todo o Brasil.

Por isso mesmo, penso que o aniversário da nossa cidade teve tudo que merecia e a que tinha direito, em grande estilo, mas o ponto alto da festa foi quando o Liga soltou a voz e os instrumentos, pedindo à Nossa Senhora do Cerrado, protetora dos pedestres, que nos protegesse durante a travessia do Eixão, às seis horas da tarde, a caminho da casa da Noélia -- Nonô, Nonô, Nonô-ô-ô-ô-ô...

:)

* Riponga = hippie

** As letras têm autores diversos, entre eles o já falecido Paulo Tovar, Vicente Sá, Alexandre Marino e Flávio Farias.

Recomendo este vídeo deles que encontrei no Youtube:

Paulo Tovar sHRT

http://www.youtube.com/watch?v=g8kQm5byzno

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 26/04/2010
Reeditado em 27/04/2010
Código do texto: T2220210
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