Todos os Nossos Mortos
As vezes penso em parar. Mudar de ares e fazer outra coisa.
Por mais que saiba separar o profissional do pessoal sou humano e o que acontece com outros seres humanos deve me afetar, pois, se não afetar, é porque me tornei pior do que as tragédias que cubro.
Há anos troquei o dia pela noite, a luz do sol me faz falta, a vontade é de fechar os olhos.
No livro “A Peste” de Albert Camus há um trecho marcante que diz: “Mas, afinal, o que é um homem morto? Quando se fez a guerra mal se sabia o que era um morto, e visto que um morto só pesa se o vemos morto, cem milhões de corpos semeados ao longo da história não passam de um mero fumo em nossa imaginação.”
Tenho lembrado disso todas as madrugadas, nenhuma delas se passa na Grande São Paulo sem que haja um homicídio. É desanimador.
Quatro anos vendo ao menos um corpo por dia são toneladas de ressentimento sobre minhas costas, nada bom para saúde espiritual de qualquer pessoa.
Hoje foi o dia de um dos piores tipos de assassinato, latrocínio, roubo seguido de morte. É o tipo de caso que, ao meu ver, podia ter ocorrido com qualquer pessoa.
Podia ser você conversando com seu irmão ou sua namorada na frente de casa quando assaltantes destituídos de qualquer apresso pela vida surgem do meio de sua distração para levar dinheiro, celular, motocicleta, joias... vida!
Mas não foi você nem foi na frente de sua casa.
Foi com o vice- campeão paulista de levantamento de peso e ex- lutador de Jiu Jitsu.
Grande erro dos lutadores, acharem que são mais rápidos que a bala, mais duros que o chumbo.
“Não reaja!”
É o que todos dizem e é o certo.
Mas quem pode garantir qual será nossa reação ao ver criminosos levarem injustamente o que não lhes pertence? Vê- los desrespeitar e ameaçar as pessoas que amamos?
Será que calarmos ante o mal é realmente o certo? Quem cala não consente?
Um homicídio por madrugada é igual a 365 em um ano! Para a polícia é só mais um corpo, não seria de se admirar que os assassinos nunca fossem pegos. É o jeito da polícia não reagir, o jeito dela calar.
Mas para a família não é só um corpo. É o filho, o irmão, o namorado. É o Alexandre Rodrigues Aguiar, o Alê!
É aí que lembro que pensei em parar, em mudar de ares e fazer outra coisa. Percebo que isso é como calar- se pois, infelizmente, muitos casos só são resolvidos quando repercutem nos meios de comunicação. Aposto que após a matéria entrar no ar, o caso do Alê não será apenas mais um para a polícia.
Continuo pensando em parar. Mas sei que a questão não sou eu e sim o próximo, que um dia pode ser você, pense nisso.
A luz do sol me faz falta, mas se fechar os olhos continuarei vendo apenas escuridão!