pencefundamental.wordpress.com/2010/02
EU LÍRICO: TRÊS REFLEXÕES
FUNDO FALSO
O poeta falou de amor e ela
se leu nas entrelinhas;
entretanto, ele apenas era um homem
que falava literaturas às mulheres,
com sua palavra fácil,
seu talento que não vinha do coração
mas da vaidade e do desejo.
E as via assim como suas personagens,
aquelas a quem poetava encantamentos
quando eram apenas espelhos a refleti-lo,
ele cuja palavra fácil e memória frágil
imagem de fundo falso
areia movediça por dentro
abocanhava atenções e agrados
ziguezagueava em escorregadias presenças
ao sabor dos ventos das conveniências.
AO PÉ DA LETRA
Dizia o poeta a sua amiga que os versos dela eram sombrios, que a achava triste e solitária. E ela então lhe escreveu tantas coisas engraçadas, fez troça, deu risada de tal forma que o deixou arrebatado e assim perplexo: como era possível tal paradoxo? Paradoxo nenhum, ela lhe respondeu, você é que me vê ao pé da letra, e eu lá não estou, não mesmo....já devia ter aprendido que escrever é como representar, entrar no corpo de tanta gente, falar suas falas, viver suas experiências, mesmo que misturadas com as nossas. E finalmente, ao conversarem por telefone, ele novamente comenta que assim falando ela não é aquela tresloucada dos recados, parece alguém mais contida, reticente. É o que acontece com os leitores que viram nossos amigos. Não podemos jamais ser confundidos com nossos textos. Nem mesmo com textos de cartas, como estas a que me referi, uma vez que aquele modo de falar fora algo premeditado justamente para surpreender e confundir e em se tratando de correspondência, existe o tempo e a tranquilidade que não acontece na fala direta. Como existe por trás de cartas de poetas mais do que a pessoa, uma espécie de alter ego que não se sofre sem fantasiar um pouco e fazer fluir a sua criatividade. Um verdadeiro escritor tem muitas caras, se veste de muitas vestimentas, e mesmo quando usa alguma roupa sua ela nunca é no poema a sua real essência, pois esta vestimenta está recortada e transposta como passageira clandestina de um trem sem destino, nestes territórios da ficção. E daí em diante cria asas e vida própria e foge ao controle do seu criador.
NÃO TENHAM PENA DO ESCRITOR
Muitas pessoas vêem, nos versos de amor especialmente, a própria vida do autor e tentam consolá-lo nos comentários, caso a história seja triste, ou parabenizá-lo, caso a história pareça ter bom termo. Outro dia uma poeta escreveu algo a partir de um fato ocorrido há muito tempo mas substituiu detalhes mantendo somente a idéia básica e além disso, acrescentando coisas para tornar o fato mais atraente e literário. E concluiu com uma frase que seria para mostrar a ingenuidade da mulher em questão, sua personagem que, portanto, não era ela, mas uma hipotética figura, dizendo: "devo ter esperanças?" Alguém logo se solidarizou e lhe disse que sim, que ele ia voltar.
EU LÍRICO: TRÊS REFLEXÕES
FUNDO FALSO
O poeta falou de amor e ela
se leu nas entrelinhas;
entretanto, ele apenas era um homem
que falava literaturas às mulheres,
com sua palavra fácil,
seu talento que não vinha do coração
mas da vaidade e do desejo.
E as via assim como suas personagens,
aquelas a quem poetava encantamentos
quando eram apenas espelhos a refleti-lo,
ele cuja palavra fácil e memória frágil
imagem de fundo falso
areia movediça por dentro
abocanhava atenções e agrados
ziguezagueava em escorregadias presenças
ao sabor dos ventos das conveniências.
AO PÉ DA LETRA
Dizia o poeta a sua amiga que os versos dela eram sombrios, que a achava triste e solitária. E ela então lhe escreveu tantas coisas engraçadas, fez troça, deu risada de tal forma que o deixou arrebatado e assim perplexo: como era possível tal paradoxo? Paradoxo nenhum, ela lhe respondeu, você é que me vê ao pé da letra, e eu lá não estou, não mesmo....já devia ter aprendido que escrever é como representar, entrar no corpo de tanta gente, falar suas falas, viver suas experiências, mesmo que misturadas com as nossas. E finalmente, ao conversarem por telefone, ele novamente comenta que assim falando ela não é aquela tresloucada dos recados, parece alguém mais contida, reticente. É o que acontece com os leitores que viram nossos amigos. Não podemos jamais ser confundidos com nossos textos. Nem mesmo com textos de cartas, como estas a que me referi, uma vez que aquele modo de falar fora algo premeditado justamente para surpreender e confundir e em se tratando de correspondência, existe o tempo e a tranquilidade que não acontece na fala direta. Como existe por trás de cartas de poetas mais do que a pessoa, uma espécie de alter ego que não se sofre sem fantasiar um pouco e fazer fluir a sua criatividade. Um verdadeiro escritor tem muitas caras, se veste de muitas vestimentas, e mesmo quando usa alguma roupa sua ela nunca é no poema a sua real essência, pois esta vestimenta está recortada e transposta como passageira clandestina de um trem sem destino, nestes territórios da ficção. E daí em diante cria asas e vida própria e foge ao controle do seu criador.
NÃO TENHAM PENA DO ESCRITOR
Muitas pessoas vêem, nos versos de amor especialmente, a própria vida do autor e tentam consolá-lo nos comentários, caso a história seja triste, ou parabenizá-lo, caso a história pareça ter bom termo. Outro dia uma poeta escreveu algo a partir de um fato ocorrido há muito tempo mas substituiu detalhes mantendo somente a idéia básica e além disso, acrescentando coisas para tornar o fato mais atraente e literário. E concluiu com uma frase que seria para mostrar a ingenuidade da mulher em questão, sua personagem que, portanto, não era ela, mas uma hipotética figura, dizendo: "devo ter esperanças?" Alguém logo se solidarizou e lhe disse que sim, que ele ia voltar.