FEDERICO GARCIA LORCA

Descerro o luto pelos setenta anos da morte de Federico Garcia Lorca. Na noite de 19 de agosto de 1936, Lorca foi executado covardemente com um tiro na nuca pelas forças nacionalistas em Víznar, nos arredores de Granada, logo após a insurgência do exército liderada pelo general Franco contra os republicanos. O seu corpo foi lançado em algum ponto da Serra Nevada e nunca foi encontrado. Seu espírito foi eternizado na memória dos homens.

Um assassinato, fruto da intolerância, que privou o mundo da genialidade do escritor, poeta, dramaturgo e músico, quando estava no seu apogeu criativo com apenas trinta e oito anos de idade.

Os textos teatrais de Lorca foram as minhas primeiras leituras maduras. Lembro-me do encantamento ao encontrar os livros encadernados e reconhecer na capa o autor de Dona Rosita – A Solteira quando tinha nove anos. Comecei a me aventurar na biblioteca paterna ainda no período de latência, com a vida suspensa na frágil linha a equilibrar uma vacilante infância e uma precoce puberdade. A dramaturgia de Lorca foi uma significativa janela para os horizontes dos anos.

Talvez não tivesse a compreensão do significado da gravidez para a mulher estéril que mata o marido, protagonista de Yerma; da densidade dramática das mulheres que têm os impulsos cerceados por uma porta fechada em A Casa de Bernarda Alba; da extensão da tragédia no casamento de Bodas de Sangue, ou da ilusão de Dona Rosita que prefere viver a fantasia em seu enxoval embolorado a ver a realidade dos anos que se perderam em inverdades... Enredos lidos e relidos com as palavras que costuraram no íntimo a emoção dos personagens, o contexto histórico e o olhar apaixonado de Lorca. O tempo as resgatou como quase vivências e transformou a força de sua narrativa em imortalidade.

A leitura de seus textos apresenta a verve poética e musical de Lorca. Mesmo sua prosa conduz à poesia, aventura-nos às regiões da Espanha do início do século XX, apresenta-nos personagens com emoções extremadas em buscas das causas mais entranhadas, das realidades mais profundas, em contraste com os cotidianos tão cortinados. Narrativas ricas que reverberam os cantos populares andaluzes e das vozes gitanas. Poesias que dão vida à alma espanhola em versos universais.

Aqueço as lágrimas de inverno com os últimos versos da Canção Outonal de Federico Garcia Lorca: “Se a morte é a morte, / que será dos poetas / e das coisas adormecidas / que já ninguém delas se recorda? / Oh! Sol das esperanças! / Água clara! Lua nova! / Coração dos meninos! / Almas rudes de pedras! / Hoje sinto no coração / um vago tremor de estrelas / e todas as coisas são / tão brancas como minha pena.”

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 21/08/2006
Reeditado em 21/08/2006
Código do texto: T221933