Standards - músicas grudadas no ouvido (IV) - "Lanterna dos Afogados"
Standards - as músicas que me balançam (IV) - "Lanterna dos Afogados"
Faz tempo que publiquei o último "Standards...". Aqui está mais um, falando de músicas que, por algum motivo me marcaram ou deixaram lembranças.
A lista não tem qualquer espécie de ordem - o que vale é o registro. Vamos lá!
"Lanterna dos Afogados" - se você estivesse com o coração moído e se encontrasse numa encruzilhada, sem saber o que fazer do seu futuro, tenho certeza que um dos seus lenitivos seria a música. Eu me encontrava num momento assim. E a música era a minha companhia e meu bálsamo, me ajudando segurar a onda e, me reorientar. No rádio, ouvia a "matadora" Lanterna dos Afogados cantada por Gal Costa e, desculpem o trocadilho, corria para um canto, para me afogar no choro aberto e auto-piedoso. Comprei um disco do Paralamas do Sucesso que trazia a versão da banda para a composição de Herbert Vianna e eles. Aquela fórmula consagrada e certeira de fazer as coisas. O baixo pulsante de Bi Ribeiro e a bateria nervosa, na pegada. O vocal econômico de Herbert Viana e o clima meio soturno completavam tudo. Lá no fim, um solo de guitarra de derreter. Haja coração! Agora, encontrei no You Tube uma versão muito caprichada, cantada por Maria Gadú. Que coisa linda! Já prestava atenção em Gadú. Mas agora, virei fã.
"Dance, in the old fashion way" - Charles Aznavour cantando em inglês. O sotaque não compromete nada, porque o velho choansonnier sabe das coisas. A banda com um arranjo impecável e a voz dele colocada "à frente", na mixagem, como tem que ser, quando o cantor tem dotes musicais e talento a mostrar. E logo, eu - que sou meio devagar de dança (mas que sou do tempo em que os meninos tiravam as meninas para dançar), começo a me imaginar num lugar à altura da exigência, levando a amada pelos braços, rodopiando no salão, enquanto o veho mago da canção francesa nos faz sonhar com a noite perfeita que apenas começa... Eitaaaa!
"Inversão de valores" - Quem gravou? Milionário e José Rico, quando já estavam com a carreira consagrada (milhões de discos vendidos, grana no banco, filme de Joaquim Pedro de Andrade e longa excursão de shows à China, quando ninguém do Brasil imaginava o que fosse a China pós Mao) e já podiam arriscar o que quisessem. Pediram um arranjo tipo bandinha de retreta e mandaram ver na interpretação de uma letra simplória, mas muito sincera, que fala no sonho de mudar o mundo (esse vale de lágrimas bíblico) e, alcançe da felicidade por todos. Coisas assim, me comovem. E a interpretação é das corretas - a voz de Milionário perseguindo e bordando a voz de Zé Rico melodia afora, como sempre (meu tio João dizia que Milionário sabia fazer isso como ninguém!).
"Só tinha que ser com você" - composição do mestre Tom Jobim e Aloysio Oliveira, cantada por Elis Regina, acompanhada ao piano por César Camargo Mariano. Putz!, depois de citar um time desses, o que esperar? Um clássico - não menos. E é o que encontramos. Elis Regina cantando com ginga, malandragem e languidêz uma uma música de excelente melodia, tendo o piano do então marido intervindo exatamente para destacar ainda mais a exuberância de Elis. Música pra se ouvir na manhã de domingo, com direito a não ser interrompido de nenhuma maneira...
"Araçá" - Renato Teixeira já tinha sido apresentado ao cenário musical brasileiro por Elis Regina tinha gravado uma composição sua que viria a ser um clássico do próprio repertório dela - Romaria. A crítica, o enquadrava como compositor da MPB e, ele ficava na dele. Mas, Araçá, reafirmava suas raízes pessoais e musicais. A melodia estava dentro dos padrões da música caipira e, a letra, junto com as invenções poéticas de Teixeira, remetia ao jeito do homem do interior enxergar o mundo - inclusive nas relações amorosas, além de falar do tempo das primeiras descobertas do amor, na adolescência. Para mim é inesquecível. Que versos fantásticos! "vou contar para o seu pai/ que você namora/ vou contar pra sua mãe/ que você me ignora/ vou pintar a minha boca/ do vermelho da amora/ que nasce lá no quintal/ da casa que você mora."...
"Joanna" - Kool and Gang conheceu a fama planetária na época da Disco Music. Os remanescentes da primeira formação musical, já meio passados, foram sabiamente para o apoio, cuidando do som dos metais e fazendo o backing vocal. À frente da banda colocaram instrumentistas jovens e um excelente cantor. Para completar, pegaram o brasileiro Elmir Deodato para arrendondar e personalizar o som. Resultado: uma porrada de sucessos. Joanna, é uma música de uma fase em que a banda estava consagrada, mas musicalmente, é uma sintese de tudo o que fizeram. Letra, interpretação, arranjos, vocais e entusiasmo - tudo no lugar e na medida certa. Impossível não se contagiar, ao ouví-la.
"Desafio" - música composta por Danillo Caymmi e, arranjada e cantada pelo irmão, Dory Caymmi. Essa música era tema de uma "novela das seis", "Terras do Sem-Fim", adaptação de um livro de Jorge Amado. Grande em letra e melodia. Mas, o arranjo a alavancou para um patamar acima do médio, tornando-a exatamente um épico, que retratava o tempo e as lutas pelo poder, no tempo dos coronéis e do cacau. Ouvindo-a, sinto-me entrando numa máquina do tempo e incorporando o personagem da letra, um jagunço metido no meio de uma escaramuça de coronéis, resolvida a bala. Impecável em tudo!
"Depois, não sei" - letra e música de Martinho da Vila. Aqui o encontramos o compositor diante da única situação da qual não se pode fugir na vida, e os questionamentos em torno dela - a morte. E Martinho da Vila faz isso com uma competência espantosa. A letra é excelente. A melodia nem tanto. A interpretação é dentro do padrão. Mas, o final da música é algo filosófica e comovente: "...Se Deus quiser/ eu vou ficar velho/ a morte é certa/ depois, não sei!".
"Água de beber" - composição de Tom e vinícius. A letra razoável de Vinicius de Morais (de quem Paulo Francis costumava dizer que virou compositor porque perdeu a inspiração para a boa poesia) se casa bem com a excelente melodia de Tom Jobim. O resultado é um classicão da bossa nova que o mundo inteiro admira (oh, sim!, ainda existem lugares onde se toca MPB, como é o caso do Japão, Islândia, Alemanha, Portugal, etc.). Mas, descobri algo a respeito da gestação dessa composição que não podia imaginar. Sabem de onde veio o refrão "Água de Beber / Água de beber, camará!"? JK estava construindo Brasília e convidou Tom e Vinícius para fazer a "Sinfonia de Brasília" e, os hospedou no Catetinho, no meio do cerrado. Certa noite, Vinícius não conseguia dormir, com um barulho que vinha do mato. Peguntou ao caseiro o que era. E o caseiro, na sua simplicidade, respondeu, pleonasticamente: "Ah, isso aí é uma aguinha de beber, que tem ali no matinho, camarada. É só uma aguinha de beber, camarada!"
"Je t'aime... moi non plus" - é provável que, nos dias que correm, ninguém tenha idéia que, no final dos anos 60 e 70, começou a pintar no mercado uns stands de música cuja temátida era a erótica. Muitos desses stands arrebentaram na parada e fizeram sucesso como trilhas sonoras de filmes porno-soft, tipo "Emannuelle". Mas, a maior de todas essas músicas era, sem dúvida, "Je t'aime... ma non plus", graças à sagaz combinação de um arranjo eficiente (baixo e bateria com umas viradas estrambóticas e a guitarra com efeito "wah-wah" marcando o andamento), que apenas denota as vozes dos cantores - uma voz masculina grave e cheia de malandragem e uma voz feminina aguda e cheia de sussuros de gemidos. Se você desconta o kitsh e ouve com paciência, até acha graça. Aí, eu fico me lembrando que a banda de baile da minha cidade "Os Magnatas", tocava uma música dessas, com um arranjo de valsa, para as turmas de formatura. Hilário!
"Se acaso você chegasse" - Lupicínio Rodrigues nunca foi superado, na chamada "música dor de cotovelo". Mas, não era para menos. Suas letras eram diretas, duras e comoventes. Nesta música, ele pergunta cinicamente a um certo amigo, o que o outro diria se encontrasse sua ex-mulher em seu barraco, lavando roupa de dia, beijando sua boca à noite e, enfim, "vivendo de amor". Mais atordoante, impossível. Se não me engano, o rítmo é de marcha rancho, mas tem um tipo de breque no meio de dois versos, que é um negócio. Assim: "Se acaso você chegasse/ no meu chatô e encontrasse/ aquela que já... ...lhe abandou/ será que tinha coragem/ de trocar a nossa amizade/ por ela que já... ...lhe abandonou!..."
"Everybody" - quando os Back Street Boys estouraram nas paradas, me lembro que alguém escreveu a respeito, dizendo que o segredo do sucesso da banda era a beleza dos rapazes, a música dançante e, performance da banda, que seria uma mistura de dança de rua com... ginástica sueca (se bem que tem um quê dos passos dos zumbis de "Thriller!", em alguns momentos). Everybody é um standard que ficou. Os fãs do mundo inteiro se reunem para dança-la e celebrá-la nas ruas. No You Tube, é possível encontrar vários desses flash-mobs. Música divertida, descompromissada e chacoalhante, que levanta o astral da gente e, põe um quarentão a pensar em dançar na rua, feito a molecada da Ucrânia (Opa! Já passou a idéia...).
"Serra da boa esperança", composta magistralmente por Lamartine Babo e regravada inúmeras vezes, no Brasil e no exterior - não há muito mais que dizer sobre esse clássico da MPB, inclusive sobre as circunstâncias das quais resultou: em pleno apogeu da chamada "era do rádio", o compositor vai atrás de alguém que lhe escrevia lindíssimas cartas e descobre que, em vez de mulher, quem lhe escrevia era um homem. Restou dessa situação absurda e incômoda a ressaca e a lembrança da paisagem local, que conforta a mente do compositor enquanto ele volta para casa, da qual resultou a música em questão. A gravação que ouço embevecido, foi registrada pelo cantor goiano Marcelo Barra, anos atrás. Marcelo, que é bom compositor, instrumentista e cantor, faz de sua interpretação perfeita e algo emocionada, à bordo de um timbre suave e educado, sobre um arranjo contido e muito bem urdido, que torna a sua gravação um acontecimento particular e belíssimo. Não sei se a gravaçaõ original está na Internet. Mas se estiver, confira, porque vale a pena.