O TENENTE EXIBICIONISTA




Voltar ao ponto de partida...mergulhar bem fundo no subterrâneo do passado, por vezes dói...por vezes torna-se um lambuzar de saudades. Hoje isso me aconteceu...andei por ruas que foram caminhadas na infância. Uma volta doída, uma procura por marcas, rastros, qualquer coisa que me fizesse acreditar que alí foi meu ninho, e, de onde partí para uma viagem longa, quase sem volta. Local cercado de igrejas pra todo lado, santos de todos os modelos, convivendo harmônicamente, chefiados pela enorme imagem de Nossa Senhora das Neves. Coitada...de neve, nada. Só lhe restava ser a senhora de todos, os religiosos, e até os ímpios. Todos cabiam embaixo de seu manto azul.
Num espaço tão religioso, respirava-se religião e forçosamente todos viviam em volta das igrejas, uns mais, outros menos, mas, sempre se diziam católicos. Aquí o Mosteiro de São Bento, imponente, sóbrio, místico. À sua frente, a Basílica de Nossa Senhora das Neves, o centro dos fiéis, motivo de orgulho de todos os pessoenses. À poucos passos, no topo na ladeira da Borborema, lá estava o Colégio das Neves, dirigido por freiras francesas, e, onde passei boa parte de minha infância e adolescência. Lá aprendí o pouco que sei, e, o muito que precisava aprender, e,que nunca conseguí. Nesse clima, os acontecimentos fatalmente estavam ligados á igreja, ou a algum padre...enfim...
Mas, quase em frente á matriz, morava um militar...tenente. Sempre o víamos se exercitando no enorme terraço ou nos jadins de sua casa. Nada de anormal. Na época eu era criança, mas, muito espevitada, e, sempre que as amigas de minha mãe iam conversar em nossa casa, entendia que o tal tenente era o centro dos falatórios. Escutava risos, pór vezes, raiva nos comentários que eu nunca podia entender de que se tratava. Um belo dia, uma das tais, chega em nossa casa, correndo desesperada. Nas maõs, um sapato de salto agulha. Não entendí, nem me disseram o que havia acontecido de tão grave, e, onde o par desse sapato teria ficado. Fui expulsa da sala, e, por mais que eu tentasse, só escutava os risos, e,no máximo..."bem feito".
Bem, os anos se passaram, e, desde aquele dia o tal tenente, sempre tão afeito aos exercícios, desapareceu. O que teria acontecido ao pobre do tenente? Bem, o sapato tinha alguma coisa com o desaparecimento do tenente.
Virei mulher, e, só então tive conhecimento do ocorrido. O tenente, todas as vezes que uma mulher passava em seu portão, tinha desejos imediatos de urinar, e, lá vinha o tal órgão pra fora. Se a mulher voltasse em cinco minutos, tudo se repetia. Quanta urina...Bem, essa coisa não acontecia se passava um homem ou uma velha. Todas as mulheres da rendondeza queriam se vingar. Naquele dia fatídico, a tal mulher ia passando, quando o tenente começou a se despir, ela trou do pé o tal sapato e fez dele sua arma. O sapato de salto agulha foi sua arma e atingiu o alvo em cheio. O tal tenente caiu dobrado pela dor. A mulher escapou pra nossa casa.
Hoje passei na casa do tenente, o terraço nem era tão grande como estava em minha memória, e, uma ponta de curiosidade se acendeu...onde andará o tenente? Será que esvaziou a bexiga? Difícil saber.