Maria do Socorro e Roberto sentados no bar
Eles se amaram muito, não há dúvida, e, de certa forma, ainda se amam. Maria do Socorro e Roberto estão sentados no bar daquele fim de domingo. Quando olho para eles, a primeira coisa que me lembro é da pintura de Degas. Mas é só permanecer mais um pouco para entender que se trata de algo bem diferente. Ao contrário daquele casal entorpecido pelo absinto, no século XIX, não vejo a tristeza profunda nos olhos destes dois sentados no Bar do Pedrão. Infelizmente, o sentimento parece um pouco pior, algo como uma indiferença em relação ao cônjuge e em relação ao mundo. Eles ficam mudos, trocando umas seis palavras a cada cinco minutos, raramente com a coincidência do olhar.
Cerveja, lingüiça e mandioca na mesa. O local está cheio hoje. Homens velhos se abraçam, depois de várias doses de 51, celebrando a fraternidade masculina que existe em cada bar de esquina. Jovens jogam sinuca e se provocam por causa do futebol, enquanto alguém escolhe Zeca Pagodinho no Jukebox.
Maria do Socorro e Roberto continuam sentados, observam o movimento, mas sem grande interesse. Ela lembra da grande revelação que acontecerá segunda, na novela, da prima que vai se casar, da patroa que ela odeia e da chuva que poderá molhar toda a roupa no varal, pois o tempo começa a fechar. Roberto pensa no empréstimo que tem que pagar, na filha que saiu de casa e na tinta que usará na reforma da casa. Apenas preocupações, lembretes, opiniões, nunca aspirações, projetos de vida ou algo que mude radicalmente o rumo dos acontecimentos.
Ele esconde um caso com outra mulher e já teve várias amantes durantes os 27 anos. Ela só o traiu duas vezes. Ambas durante o tempo em que Roberto trabalhou na Bahia, dando-lhes poucas notícias. O primo Sílvio daria o único orgasmo de sua vida ao qual poderia considerar inesquecível.
Mas, se os filhos já saíram de casa, se ambos trabalhavam e podiam se sustentar, por que continuar juntos? Por que não partir para outra? Sem dúvida é difícil de entender motivos e razões tão íntimas. É custoso compreender a necessidade da casa, da vida e do chão já conhecidos. Eles preferiram ficar juntos, morrer juntos.
Não sei por que, mas aquele casal me fascinava cada vez mais. Não conseguia tirar os olhos dos rostos que miravam para o vácuo. Queria ser um grande amigo e ouvir, secretamente, as confissões de cada um. Saberia seus segredos mais guardados e tentaria dar as melhores dicas. Mas eu, com idéias modernas sobre liberdade, não conseguia entender seus motivos, suas decisões. Pensamentos jovens não são nada contra a experiência de anos.
Comecei a me conformar em ser apenas um observador, indo, alguns domingos, ao mesmo lugar. Encontraria, no Bar do Pedrão, pessoas alegres e companheiras. Situações engraçadas ou comoventes. Interessantes histórias de vida e lamentações, contadas na dor diante o copo de cachaça. E, principalmente, espiava o mesmo casal que não se olhava nem se falava, mas guardava um amor que só eles entenderiam, só eles poderiam viver.
Já estava ficando tarde, Roberto sai da cadeira e vai em direção ao balcão para pagar a conta. Os dois levantam e saem aguardando a rotina da segunda-feira. Já é tarde e o Fantástico vai começar. Não se atrasem!
Gabriel de Barcelos
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