EM DIA DE SUPERMERCADO
Sábado de manhã. Vou às compras. Estou livre e leve. Bom demais sair assim, sem pressa nenhuma pra ir ao supermercado, no centro. Sim, porque lá é também o ponto de encontro dos sumidos. Parece combinado. Até já sugeri que arrumem umas mesinhas, lugar pra sentar e bater papo. Assim pelo menos se evitaria os congestionamentos quilométricos entre as prateleiras. Carrinho parado, conversa sem fim. Sempre tem os mais animados que se arriscam a pegar os produtos de qualquer jeito. Missão perigosa, aviso! Xampu caindo pra todo lado, detergente rolando pelo chão, extrato de tomate desmoronando e, na pior das hipóteses, um vidro de azeitonas acertando sua cabeça.
É para lá que vou. Quero “rever os amigos que um dia, eu deixei a chorar de alegria...”, como lá na "A volta do boêmio" de Adelino Moreira. Cidade pequena é assim. A gente, no fundo, é uma pequena imensa família em que todos se conhecem (mesmo que, às vezes, faça de conta que não). Minha filha, que mora em Belo horizonte, estranha quando sai comigo: “Mãe do céu, você já deve ter falado uns cinquenta ‘ois’ em meia hora!”. Ela erra. Brincando, brincando, numa manhã de sábado no centro da cidade dá pra falar tranquilamente pra mais de cem. Coisa boa de morar no interior...
De repente, lá na prateleira dos vinhos, avisto quem? AVandinha... Vejo-a de costas, inconfundível no seu rabo de cavalo e seu terninho jeans. Completamente distraída ela lê um rótulo. Adora vinhos! Frio no estômago! Desvio o olhar, me escondo atrás de uma prateleira. Preciso de tempo pra pensar. Ah, a Vandinha não vale! Ela é um daqueles tais casos: a gente não visita na hora certa e depois passa vergonha (já contei em outra crônica). Uma estratégia! Preciso evitar que ela me veja por enquanto. Não tenho um bom pretexto em mente. Meu Deus, o que ela deve estar pensando de mim? Vizinhas por quase sete anos. Ela fez a cirurgia no rim e eu nem pra lá olhei! E confesso, foi relaxamento mesmo! Puxa, zero pra mim!
Penso rápido: estava viajando! Sim, todo mundo viaja. Eu também posso, né? Estive fora resolvendo problemas. Todo mundo tem problemas. Eu também tenho. Estava em Belo Horizonte no dia da cirurgia. Só cheguei ontem. E olha que coincidência, ia visitá-la hoje! Mesmo? Sim, dá pra acreditar? Mas que bom vê-la recuperada fazendo compras... Pois é, a medicina... Tão avançada, né, menina? Métodos tão modernos... Uma cirurgia assim e em poucos dias a pessoa já tá um coco! Tudo resolvido, enfim...
Feitos os planos, decido: vou ao balcão dos vinhos. Com a dignidade e a honradez de quem nada tem a esconder! Acabo com esse martírio agora! Sem dúvida, tentar escapar é muito pior. Vai que ela me flagra fugindo. E aí, sim, vai tudo pro beleléu de vez. É agora ou nunca mais. Entre os dois eu escolho o agora! Caminho, resoluta. Minha amiga, absorta se perde “num porto”. Um último pensamento maroto me assalta: está mal intencionada! Conheço essa mulher! “Vandinha!”. Meu tom é alto, festivo, quase suspeito. Ela se vira bruscamente, meio assustada. Meu Deus, me valha! Vermelha feito um pimentão, vou noutro mundo e volto, não sei onde ponho a cara: a moça não é nem nunca foi a Vandinha...