MOLHOS & MANHAS
Domingo de outono e de maio. Nenhum dia mais propício para celebrar quinze anos de casamento. Maridão do lado, dormindo. Como é bobo! Saiu da cama fingindo que acreditava. Levantou sob o céu de mar absolutamente sereno, água no fogo para o café. Mas como é bobo, meu Deus! Homem não tem muita imaginação. Vou fazer café à toa, como aquele ano... Dentes colar de pérolas, boca de hortelã porta beijo, comida para os cachorros, mesa posta com algumas surpresas ao gosto dele, por via das dúvidas.
Café regado à novela: eu finjo, tu finges, nós fingimos. O cunhado chega com o jornal, toma um gole e combina o churrasco. Que será que está tramando dessa vez? Já meio do dia, o arroz feito no chamego, a farofa gorda de bacon e linguiça. Falta o molho. Pimentão, tomate picadinho no capricho. Quando chegaram ela estava de luvas a derramar lágrimas sobre a cebola. Que frescura é essa aí, mulher? Cumprimento da mulher do cunhado que chega com a carne. Ela ia responder que não queria ficar com cheiro de tempero nas mãos, mas achou melhor, e de melhor tom pelo dia, manifestar alegria, o que fez arqueando as sobrancelhas e largando vinte centímetros de seu melhor sorriso no oi melodioso de puro fingimento.
Às cinco, as crianças jogando bola e um adulto sóbrio: ela. O sorriso de dez centímetros agora mais contraído. Nada, é a cerveja, respondeu quando ele perguntou se estava melancólica. Conversa rolando ao som do pagode, montão de pratos para lavar, o esmalte embaciado pelo detergente. Ele quer que eu pense que ele esqueceu. Então, vou deixar que ele pense que eu também esqueci.
Às dez o pessoal se despediu levando o que restou do churrasco. Ela ajudou a carregar as crianças até o carro, fechou janelas e portas. No quarto invadido pelo cheiro de cerveja, o marido roncava. A água quente do chuveiro misturou-se a algumas lágrimas, amaciou a pele, lavou as perguntas, refrescou a alma. Na porta do quarto analisou a figura do homem que conhecia a vinte e quatro anos. Ainda era tempo.
Acordou no sofá. Vestiu-se sorrateiramente, enfiou-se no mar. Não pagou pela água de coco porque o André não deixou. Pela gentileza, ela lhe deu uma carona e um presente com cheiro de futuro. Ou, de passado?
Domingo de outono e de maio. Nenhum dia mais propício para celebrar quinze anos de casamento. Maridão do lado, dormindo. Como é bobo! Saiu da cama fingindo que acreditava. Levantou sob o céu de mar absolutamente sereno, água no fogo para o café. Mas como é bobo, meu Deus! Homem não tem muita imaginação. Vou fazer café à toa, como aquele ano... Dentes colar de pérolas, boca de hortelã porta beijo, comida para os cachorros, mesa posta com algumas surpresas ao gosto dele, por via das dúvidas.
Café regado à novela: eu finjo, tu finges, nós fingimos. O cunhado chega com o jornal, toma um gole e combina o churrasco. Que será que está tramando dessa vez? Já meio do dia, o arroz feito no chamego, a farofa gorda de bacon e linguiça. Falta o molho. Pimentão, tomate picadinho no capricho. Quando chegaram ela estava de luvas a derramar lágrimas sobre a cebola. Que frescura é essa aí, mulher? Cumprimento da mulher do cunhado que chega com a carne. Ela ia responder que não queria ficar com cheiro de tempero nas mãos, mas achou melhor, e de melhor tom pelo dia, manifestar alegria, o que fez arqueando as sobrancelhas e largando vinte centímetros de seu melhor sorriso no oi melodioso de puro fingimento.
Às cinco, as crianças jogando bola e um adulto sóbrio: ela. O sorriso de dez centímetros agora mais contraído. Nada, é a cerveja, respondeu quando ele perguntou se estava melancólica. Conversa rolando ao som do pagode, montão de pratos para lavar, o esmalte embaciado pelo detergente. Ele quer que eu pense que ele esqueceu. Então, vou deixar que ele pense que eu também esqueci.
Às dez o pessoal se despediu levando o que restou do churrasco. Ela ajudou a carregar as crianças até o carro, fechou janelas e portas. No quarto invadido pelo cheiro de cerveja, o marido roncava. A água quente do chuveiro misturou-se a algumas lágrimas, amaciou a pele, lavou as perguntas, refrescou a alma. Na porta do quarto analisou a figura do homem que conhecia a vinte e quatro anos. Ainda era tempo.
Acordou no sofá. Vestiu-se sorrateiramente, enfiou-se no mar. Não pagou pela água de coco porque o André não deixou. Pela gentileza, ela lhe deu uma carona e um presente com cheiro de futuro. Ou, de passado?