Outra história de ingratidão
Contei aqui o caso do genial Pingolença, terminando seus dias esquecido pelo povo a quem tanto ajudou, na cidade de Itabaiana. Hoje falarei de outro vivente dessa pequena e ingrata cidade, outro rapaz inteligente, um artista que dedica sua vida ao ensino da música. Mestre do violão, rege e monta conjuntos de cantos orfeônicos. Para viver, ele necessita de muito pouco, que é um daqueles a exercer a prática da realização dos simples: seu prazer é ensinar o que sabe e construir o belo. Mesmo pouco, ele precisa de alguma ajuda, ou recompensa pelo esforço e dedicação ao trabalho de instruir a juventude.
Suas origens são de Itabaiana, cidade onde se estabeleceu. É neto do grande itabaianense Daciano Alves de Lima, o homem que também foi uma espécie de “faz-tudo” nesta terra abençoada. “Itabaiana foi crescendo dentro de mim, hoje me sinto parte dela”, diz nosso mestre, confessando ainda que nunca viu tantas pessoas inspiradas, tantos poetas e bons músicos como na terra de Adeildo Vieira e do forrozeiro Aracílio Araújo. O poeta Pablo Neruda escreveu em suas “Memórias”: “Daquelas terras saí eu a andar, a cantar pelo mundo”. Nosso mestre para cá veio, trazendo a marca dos que nasceram para servir, e sai a andar e cantar pelo mundo “a beleza de ser um eterno aprendiz” e de modificar vidas através da arte musical.
O maestro ensina canto coral a um grupo de jovens excepcionais no Centro de Atenção Psicossocial de Itabaiana, dentro de um programa de musicoterapia. Recentemente foi à 1ª Conferência Regional de Saúde Mental do Vale do Paraíba, em Juripiranga, onde seu coral foi a única produção artística composta totalmente por usuários do programa a se apresentar no evento. A emoção foi grande, os aplausos copiosos. Desse encontro comovente, o maestro saiu mais animado pela paixão vital e contagiante de ser útil e ajudar pessoas através da arte.
Já convertido em uma figura popular e querida de nossa cidade, esse músico não perde uma certa capacidade de resistência às agruras da vida. Seu entusiasmo juvenil e amor pela música o leva a ensinar técnica de violão no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, onde recebe uma pequena ajuda de custo. Sua colaboração é imprescindível para nossos propósitos de difundir a arte e a cultura, principalmente para jovens oriundos de famílias de baixa renda. No entanto, dos gestores de saúde, até agora falta uma contrapartida mais substancial.
Isso aponta para a responsabilidade do gestor local em estimular esses atores sociais, criando condições favoráveis em todos os sentidos, de maneira que motivados individualmente possam, no exercício de suas atividades, gerar mais saúde e consequentemente melhor qualidade de vida para a população.