Desencontro
Quando ele ia a casa dela e se pavoneava com seu violão, intercalando notas erradas de canções conhecidas de artistas dos anos 80 com versos de sua autoria, ela ficava encantada. Não se importava com sua voz desafinada, com o seu jeito de dono do mundo, o olhar afetado e a opinião dos outros sobre ele. Os anos passaram e os dois se distanciaram, ela viveu em parte um conto de fadas e ele a vida real, o dia-dia duro de quem é obrigado e enfrentar um serviço ativo de telemarketing e as dificuldades da vida. Ao se reencontrarem anos mais tarde, já não restava nada do menino sonhador do passado, que imaginava o dia no qual faria sucesso como jornalista, desenhista, quiçá músico. Os anos lhe deram um relativo sucesso profissional comparado com os amigos, que tinham um status social inferior ao seu e lhe proporcionaram afirmação suficiente para inflar seu ego, ao mesmo tempo em que enterrara definitivamente os sonhos e a pureza do passado. Havia se conformado em ser mais um membro da classe C ou B, uma pessoa comum, que sairia às sextas com os amigos para um Happy-Hour e levaria uma bronca da mulher que ansiosamente estaria à sua espera com o filho no colo. O reencontro não teve o encanto do passado. Ela ainda não abandonara totalmente o conto de fadas, muito embora ele tivesse sido reeditado para um formato com menos ilustrações e de bolso, mas a essência permanecia a mesma, naturalmente, porque ela conseguira realizar alguns dos seus sonhos e as dificuldades não foram capazes de tecer uma armadura. A sensibilidade continuava aflorada, embora os anos tenham-na dotado de um certo pragmatismo. Percebera que qualquer coisa que desejasse realizar só se concretizaria se tivesse condições de fazê-lo por si só. A experiência lhe tornara mais esperta, logo percebeu que não tinham nada em comum. Ele se despediu dizendo que em breve retornaria para “conversarem”. Ela se despediu sabendo que caso isso acontecesse, não seria uma “conversa”.