MEUS EUS
MEUS EUS
Estávamos eu e eu, conversando despreocupadamente sobre amenidades, quando subitamente o eu (o outro), questionou-me de forma incisiva, quase solene:
- Estás feliz?
- Como?
A pergunta pegara-me desprevenido. Fiquei sem resposta. Ora... Quanto atrevimento, que pergunta mais sem cabimento.
-É... Estás feliz ou não?
- Arre!... O outro eu insistia na pergunta. Como te atreves a questionar o meu modo de vida?
- Não foi essa a intenção nem a pergunta. Só quero saber se estás feliz. Preocupo-me contigo.
- Claro que sim. Sou bem sucedido na vida, tenho casa, carro, filhos e até netos. Vou sempre para a praia...
- E essa ruga na testa?
- Que ruga? Não é possível tanto atrevimento. Sou feliz sim e ruga é ruga e pronto...
- Calma.
- Estou calmo...
- Esses cabelos brancos? Não sei não...
- Apenas dois ou três...
- É que estas ficando careca. Ah! Tem também a “barriguinha”. Saliente, não?... E a pressão arterial melhorou?
- Quanto atrevimento... Saibas que estou muito bem, tenho casa, carro, filhos e até netos... E vou regularmente para a praia.
- Já resolveu o problema do “diabetes”... E a aposentadoria estava certa este mês?
- O valor veio correto, mas o banco, um horror... Uma fila que não tinha fim e ninguém dá prioridade aos mais velhos... Não que eu precise... Um absurdo.
- Hei... Calma... Olha a pressão!
- Que pressão? Já te disse que estou bem... Sou muito feliz... Tenho casa, carro...
- Já sei... Filhos, netos e viaja para a praia.
- É...
- Ok... Mas, estás feliz?
- Não... Quero dizer... Não sei...
- Também não sei...
- Não sabe o quê?
- Se eu sou feliz.
- Eu ou você?
- Você e eu.
- Quer saber... Vira para lá e dorme.
- Certo... Mas vê se te cuida. Senão vamos acabar indo embora juntos.
- Tá.
- Boa noite.
- Boa noite.
- Já tomou o remédio?
- Jáaaaaaaaa!!!!