Oitenta anos de paz
Osvaldo Pereira de Matos, comerciante, aposentado, casado, ex-subdelegado de polícia em Rio do Braço – 8º distrito de Ilhéus Bahia --Diga-se de passagem, um lugar tão calmo que não tinha ladrões nem bandidos como hoje e que nunca precisou durante muitos anos, usarem armas, nem dar tiros, nem diligenciar. Raríssimas vezes um inquérito em sua jurisdição, onde ele, minuciosamente em sua máquina de escrever Olivetti Lettera 22 portátil, datilografava tudo com detalhes, e eu, a partir dos oito anos de idade fiz daquele “brinquedinho” meus primeiros contos e poemas. Lembro da orientação dele para eu datilografar com todos os dedos das duas mãos: ASDFG, ensinamentos que me deram o hábito de escrever com rapidez, o que não estamos vendo isso hoje com a maioria dos digitadores de computador.
Osvaldo Pereira de Matos é filho de Joviniano Dantas de Matos e de Lídia Pereira de Matos. Nasceu há OITENTA ANOS ATRÁS, em 16 de julho de 1927 em Banzaê, Ribeira do Pombal – Bahia, hoje uma cidade em que nossa prima, digo prima de meu pai, é Prefeita. Brincou e andou muito pela Serra do Aribicé, propriedade da família, plantando ou ajudando seu pai, meu avô, a cultivar feijão e a criar gado. Nasceu dez anos após a Primeira Guerra Mundial e testemunhou de perto quando criança, as passagens de Lampião, Maria Bonita e seus capangas pelo sertão baiano. Cinco anos antes, acontecia o movimento modernista de 22. Assim como esse marco da literatura brasileira influenciou as gerações de escritores seguintes, esse homem calmo, transparente, bom e moderno, inspirou seus descendentes, hoje uma verdadeira árvore genealógica.
Não fuma, não bebe, é saudável, respira fundo e vive em paz consigo mesmo, com os outros, com Deus, com o mundo. Os filhos todos criados e pessoas de bem. (Meu pai nos mede pelo papel social que desempenhamos no mundo e não se ficamos ricos ou pobres) - Foram muitos os ensinamentos, conceitos, idéias, socorros à hospitais e ações de solidariedade com as pessoas humildes. Não perdia os noticiários por nada - “A voz do Brasil” e os telejornais - o que me fez até hoje ser interessado em atualidades e jornalismo.
Falava da sua infância e dos seus antepassados, por isso estou escrevendo sobre ele hoje.
Quando adulto, aprendeu logo cedo a profissão de Alfaiate. Fez ternos para políticos e pessoas ilustres e para casamentos de pessoas como nós, que somos o inconsciente coletivo da gente brasileira. Em 1945 quando foi convocado para lutar na 2ª Guerra Mundial, a guerra acabou para a nossa felicidade que nascemos depois. Jovem-adulto, morou muito pouco tempo em Salvador. Migrou para Ilhéus, no Sul da Bahia, região cacaueira e conheceu minha mãe, D. Maria Arlete de Oliveira Matos, professora polivalente da Prefeitura Municipal de Ilhéus, filha de Filon Alves do Socorro, escrivão de Cartório Público, e de D. Maria Alves de Oliveira (D. Caçula) - conheceram-se entre os anos 49-50 e casaram-se em 18 de junho de 1952 (meu pai com 25 anos e minha mãe com 21).
Poupou 10% dos ternos que fazia por algum tempo, até conseguir, no início dos anos 60, inaugurar a Casa Matos de gêneros alimentícios em Rio do Braço - atendia não só a comunidade dali, mas todas as fazendas de cacau da redondeza. Fomos alfabetizados na Escola Maria Victória em Rio do Braço e a partir de 1970, fomos morar em Itabuna exclusivamente para estudar. A escola foi a maior herança. Minha mãe foi fundamental também nesse propósito. Meu pai, com o seu automóvel Rural Willys 1962 café com leite e branca, nos levava todas tardes de domingo para Itabuna (estudávamos de manhã) e voltávamos sexta à tarde para Rio do Braço.
Passamos eu e meus irmãos, uma infância invejável: peladas de futebol, esconde-esconde, amarelinha, pega-bandeira, soldado-ladrão... Criávamos e fabricávamos nossos próprios brinquedos, bolas de gude, banhos de rio... O Rio do Braço tinha um rio de água cristalina! Não era poluído como os rios de hoje. Em 1993 a nossa casa em Rio do Braço foi palco da novela “Renascer”.da Rede Globo A Casa Matos de meu pai e a sobrado que moramos, passou a ser cenário da novela Renascer- “Mercearia do Norberto”. Vários atores globais filmaram lá, entre eles, Adriana Esteves, Antônio Fagundes, Marcos Palmeira entre outros. Lembro do dia que meu pai explicava para Capistrano, Feliciano, Zacarias e Zé de Jesus, como era a história do dia e da noite. Pegou uma laranja, colocou-a diante da lâmpada e foi rodando a laranja mostrando que a sombra era como a noite e o dia era a parte iluminada pela lâmpada. O que mais me admirou não foram as explicações de meu pai, mas a perplexidade desses trabalhadores rurais diante da informação, embora Capistrano não tivesse acreditado em nada daquilo, pois disse a meu pai que quando o sol nascia, ”andava” e se escondia. E o meu pai respeitava a opinião do desconhecimento alheio. Isso em plenos anos 70. Dizer que o homem foi à lua era uma blasfêmia para eles, “conversa pra boi dormir”.
Teve o episódio do sabiá que apareceu lá em casa com uma perna quebrada na cozinha. Osvaldinho, meu irmão, pegou o passarinho e levou para o meu pai que com o maior cuidado do mundo imobilizou a perna do sabiá com palito de picolé e esparadrapo durante quatro semanas. Quando o sabiá ficou curado chamou toda a família e qual não foi nossa surpresa? Segurou o sabiá com ambas as mãos e o impulsionou para voar. Ele ficou dando voltas na casa por mais de uma hora até ganhar o mundo. Aquilo Fez-nos até hoje nunca criar passarinhos nem prendê-los em gaiolas. Meu pai nunca permitiu que tivéssemos um bodoque para matar passarinho.
Meus pais foram exemplos de dedicação, de acompanhamento em nosso crescimento, o que falta muito hoje em tempos atuais em tantas famílias por aí: controle, liderança, respeito com a família, limites... É preciso VALORIZAR A FAMÍLIA, pois estamos vendo jovens de classe média alta espancando empregadas domésticas em paradas de ônibus como aconteceu recentemente ou quando incendiaram o índio Galdino em Brasília há alguns anos atrás. Muitos pais de hoje em dia não conhecem os próprios filhos, pois não acompanham seu crescimento; eles dão sempre tudo o que pedem, mas só que o mundo não dá depois.
Pai, seus OITENTA ANOS até aqui não foram em vão. Parabéns! São Oitenta anos de Paz de quem em todos os níveis da vida cumpre bem o seu papel no mundo. Que Deus lhe abençoe. Viva muitos anos! Deseja todos os seus filhos e descendentes.