O Paraíba e o Candango
Meu pai dizia que era um candango, quando perguntavam a ele sobre a sua origem. Ele contava com orgulho que ajudara a construir Brasília. Na verdade, quando o meu pai chegou na cidade, encontrou a cidade já construída, mas a gente fingia que acreditava, afinal, menino não desmente adulto: ou leva tapa, ou ninguém ouve.
Sou mais Paraíba, que brasiliense, mas considero Brasília, mais especificamente, o Cruzeiro Novo, umas das cidades satélites da capital do Brasil, onde cresci; como um dos melhores locais do mundo onde eu poderia ter crescido.
Nesse dia que se comemora os 50 anos de Brasília, não dá para deixar de lembrar daquele moleque que carregava gibis embaixo dos braços, mas a figura mais importante que me vem à cabeça não é o meu eu-menino, nem o JK, nem muito menos a Legião Urbana, ou os políticos que tanto sujam o nome da cidade onde me fiz gente; falar em Brasília, é lembrar de meu pai, o Seu Dino de Oliveira, o sujeito que adorava aquela cidade, e que queria que todos os seus filhos crescessem por ali, quem sabe se tornassem militares, advogados, médicos ( professor e escritor, contava, pai?) ou qualquer outra profissão que não a sua, porteiro de um dos inúmeros prédios do Cruzeiro.
- Adoro o que eu faço - dizia ele - mas quero ver os meus filhos doutores. Não tive estudo, eles vão ter, nem que seja a última coisa que eu faça nessa vida.
Sim, pai! Eu tive estudo e hoje sou um doutorzinho das letras. Curo pessoas com a alegria das palavras. Devo isso a você e a Dona Graça que sempre apostaram que aqueles gibis se tornariam livros, os meus livros. Mas, como disse, essa crônica não é sobre mim...
Seu Dino, como é até hoje lembrado na Quadra 803, Bloco B; foi um porteiro-zelador bem diferente dos outros: gostava de todos, ajudava quem precisava, adorava uma festa, e era o primeiro a reunir a molecada para os campeonatos de peladas entre quadras ou para procurar bambu no "areal" para fazermos um arraial nas tantas festas juninas que organizou. Como Brasília, meu pai não era perfeito, mas era um ser humano bonito, sempre com um sorriso no rosto e uma vontade, assim como a cidade, de estender a mão a todos aqueles que vinham dos quatro cantos do Brasil para morar por lá.
De certa forma, ainda estou lá com ele, crescendo menino, de olho nos gibis e nas nuvens e achando Brasília o centro do universo, e meu pai, o rei daquele mundo.
Candango:
1. designação geral por que são conhecidos todos os que trabalharam na construção de Brasília
2. nome com que os africanos designavam os Portugueses
3. (Do quimbundo *candanje, nome pejorativo dado aos Portugueses