Língua sem regras é lingueta
 
          
          A língua dos brasileiros vem sendo maltratada nos discursos das autoridades, políticos, parlamentares, professores, homens de negócio, doutores e nas notícias faladas e escritas. Por falta de educação, na boca do povo. E, quando o programa é falar, falar, seja em rádio ou em televisão ou até em “conferências”, cega-se o segundo olho de Camões; arrepiam os cabelos de Rui Barbosa; ferem-se os tímpanos de Machado de Assis e enraivecem-se José Américo de Almeida e José Lins do Rego. Cospem erros de concordância, engolem os plurais, amassam as palavras como papel de embrulho e tudo sem qualquer lógica, dada à imprecisão da linguagem. “Até por que... para mim dizer isso com certeza, com certeza eu não dizia”, assim escutei de um entrevistado que, além de rasgar a Gramática, já tinha dito essas vazias asneiras. É uma fartura de ignorância que vem sendo transmitida em volume bem superior ao do medíocre ensino das escolas. A luta contra essa progressiva contaminação é de uma pequena tropa contra legiões. Preocupa a queixa de se destruir, aos poucos, tudo que se fez até agora pela nossa língua pátria, como a cognominava Olavo Bilac, “a última flor do Lácio, inculta e bela”. Quem não comete deslizes? O mal é não saber quando se os cometem ou a indiferença ao cometê-los.
          Há muita gente incomodada e temendo desaprender de tanto ouvir e ler, repetidamente, palavras e sentenças erradas. Nesse sentido, o método eficaz, além do de corrigir, de pronto é rejeitar os erros, mesmo que o faça em silêncio. Como se sabe, para falar bem é indispensável ouvir quem fala bem; para escrever bem, ler quem escreve bem. O idioma bem falado ou escrito caracteriza a pessoa que reflete, pensa e se expressa com elegância, o que também denota o valor do seu pensamento. Por isso, não se pode considerar a língua como um mero instrumento de comunicação. O homem é o estilo.
          Segundo Schopenhauer, em “A Arte de Escrever”, uma língua de tropeços e de curto vocabulário empobrece a criatividade e a prática de pensar. Acrescento: diminui a extensão e a compreensão conceitual dos termos, que devem simbolizar e se adequar exatamente àquilo que desejamos dizer, e não exprimem o significado de um valor que lhes é próprio. O falar e escrever escorreitos fazem a ideia gerar ideias; o conceito, outros conceitos. Quem sabe, um dia, o povo brasileiro falará o vernáculo como ele é: preciso, objetivo, claro, rico e belo. Que iniciem os letrados. Afinal de contas, trata-se da língua do seu país, de uma arte literária tão admirada por outras culturas.
 
Damião Ramos Cavalcanti
Enviado por Damião Ramos Cavalcanti em 21/04/2010
Reeditado em 11/07/2010
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