Sandra Mara

17h45min de uma terça-feira.

Sandra Mara olhou para a agenda e percebeu que no outro dia seria feriado. A rotina corrida do dia-a-dia não a deixou pensar no dia, uma data tão almejada por tantos, e por ela também. “O que fazer amanhã?”, pensou ela. Lavar roupas? Arrumar os armários? Terminar o patchwork que estava fazendo? Não! Decidiu que nada disso faria. Resolveu ligar para uma das suas melhores amigas de infância e juventude para passarem o dia juntas e matarem a saudade de uma boa conversa.

Ligou para Darlene efusivamente e, com o convite aceito da mesma forma, informou que a esperava lá pelas 10h00min.

Saiu do trabalho, foi ao supermercado, comprou algumas guloseimas, alguns chás diferentes e um vaso de flôres brancas para compor a mesa.

Deitou-se feliz, na certeza de que o seu feriado seria bem diferente, coisa que há muito não fazia, pois em todas essas datas dava um jeito de viajar para relaxar ... mas sempre acabava chegando em casa cansada. Pouco curtia a sua casa e pouco andava curtindo seus verdadeiros amigos.

Darlene chegou pontualmente às 10h00min, com um pequeno presente para Sandra Mara: um pingente com olho de tigre “para tirar os maus olhados”, disse ela. As duas riram e se atiraram no sofá para o início de um bate-papo. Nenhuma das duas precisou falar que aqueles momentos seriam para boas lembranças ...

Chuviscava lá fora e o ambiente era propício.

Começaram falando de moda e no quanto as coisas são cíclicas – Darlene vestia uma batinha, parecida com uma que Sandra Mara tinha lá pelos 13 anos.

Da moda passaram para o seu Baile de Debutantes – vestidos muito coloridos na época, todos bordados, acompanhados de sapatos salto 12.

As primeiras aventuras na sua cidade natal, o primeiro namoro que tanto doeu às duas. Como sofreram, como emagreceram, e como acharam que aquele seria o seu “primeiro e único amor”. Nada, mas nada no mundo valia mais a pena.

A sua primeira viagem com amigos rumo às praias de Santa Catarina. Três carros completamente carregados com barracas e bolsas, saindo em horários diferentes, rumando para uma praia, sem o uso do celular (sim, nem se pensava nisto naquela época). Contudo, o encontro aconteceu sem problemas.

Engraçado, comentaram as duas: naquela época não existiam as facilidades de hoje e as coisas sempre terminavam de forma mais simples. Por quê? Dinheiro escasso, mas muita animação. Muita gente pela frente para novas amizades.

Foi nesse ponto que pararam para falar sobre o lado econômico. Como, naquela época, elas conseguiam fazer tanto com tão pouco? Como conseguiam se vestir adequadamente, pagar a faculdade, ir ao cinema, sair nos finais de semana com tão pouco dinheiro?

Perceberam que os tempos eram outros, as necessidades menores e os prazeres maiores.

As duas ingressaram na faculdade somente depois que puderam bancá-la, mas mesmo assim viviam ... e felizes.

Atualmente empregadas, com apartamento e carro próprios, chegavam ao final do mês sem fôlego. Como tudo tinha mudado! Como os apelos financeiros se agigantaram!

Exemplificaram outras situações e, a cada uma delas, paravam para traçar a comparação com os dias atuais e riam, riam muito, especialmente porque Darlene tinha esquecido o celular em casa e estava desesperada. Que dependência!

Após o almoço, iniciaram uma conversa sobre os atuais empregos. As duas um tanto insatisfeitas ... mas “levando” por razões óbvias ... e, lá pelas tantas, depois de muitas conversas e introspecções, perceberam que o que lhes faltava já não existia mais. Faltava gente animada como o pai de Sandra Mara, José, a vizinha de Darlene, Dona Anastácia. Eles sim percebiam que um dinheiro extra sempre faz a vida da gente mais feliz.

Quando pequenas, começaram a ganhar o seu dinheiro de forma caseira, mas digna. Sandra Mara auxiliava o pai aos “domingos” numa pequena tipografia da família, e de lá ganhava uns troquinhos que eram muito bem administrados (deles não eram debitaos impostos nem FGTS).

Por outro lado, Darlene lustrava as peças de prata de sua vizinha mensalmente, com tamanho esmero que Dona Anastácia valeu-se do seu trabalho até a morte. Eram peças lindas, herdadas de família muito rica e que, com o dom de Darlene, rejuvenesciam com o tempo. E de lá também saíam mais uns troquinhos, sem impostos.

Comentaram como se articulavam, naquela época, para um ganho extra e, com ele, fazerem ou comprarem algo de especial que lhes desse prazer.

Sandra Mara lembrou-se ainda dos convites para ocasiões especiais que criava e vendia a parentes e amigos. No final, ante a quantidade vendida, sempre dava para comprar algo novo.

E atualmente? Como ganhar dinheiro extra, se as duas trabalhavam nove horas por dia, faziam um ou outro curso à noite, não tinham empregadas e também precisavam descansar e dormir? Ah ... e se atualizarem ... e mais: continuarem sendo mulheres à frente do seu tempo.

Nada, mas nada “bateria” aqueles tempos áureos que, depois de muitas divagações, Sandra Mara e Darlene chegaram à conclusão de que foi a base para as suas vidas ... e que de lembranças boas elas nunca mais se recusariam num feriado de meio de semana. E que dinheiro algum no mundo pagaria aqueles prazeres. Os chás diferentes ficariam para o próximo encontro.

(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)

Rosalva
Enviado por Rosalva em 21/04/2010
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