AQUI SE APOSENTAM CÉREBROS
Sou surpreendida por uma questão inesperada quando alguém me faz uma pergunta banal, querendo saber se um conhecido nosso está novamente morando aqui na cidade. Respondo que sim, desde o verão, já nos vimos aí num Café, ele e seu indispenável amigo pretinho, seu sorriso limpo, um tanto arredio , mas totalmente terno, apesar de que tal ternura seja envolvida por uma carcaça de aparente impaciência, um certo mau humor, um distanciamento que na verdade é um pouco de timidez.
Quando ele chegou a nossa Escola, já tinha trabalhado como revisor do Correio do Povo, mas como professor estava somente iniciando. Foi uma convivência muito especial, com ele e sua mulher, filhos, muitos churrascos e chope nos momentos de confrternização entre professores, ou nas festas que eles gostavam de improvisar em sua casa.
Algum tempo trabalhando juntos, o tempo parecia tanto naqueles poucos anos em que coexistimos, foi suficiente pra eu entender o ser humano e inteligência que nele se combinavam. Estava já fazendo um mestrado, quando nos afastamos. Anos depois, voltando eu a morar na minha cidade, tivemos um reencontro muito feliz, ele já fazendo Doutorado, pois sempre desejara trabalhar na Universidade. Foi então que finalmente a oportunidade surgiu com uma cadeira de Literatura na UFSC, em Floripa, quando ele já tinha aproximados quarenta anos. E lá se foi a família morar naquele paraíso, os filhos já crescidos, tendo que se adaptar a uma nova paisagem, todas as implicações que isso tem em readaptação e afastamento compulsório de uma vida já estruturada.
Sem contatos, frequentes, passaram-se os anos nesta grande lacuna de nossas histórias de vida e isso me fez receber um tanto chocada a notícia de que ele aposentou-se, agorinha, no verão. Parece que ainda os vejo falando na mudança, sorrindo, uma vida nova. São menos de vinte anos! E num momento histórico aonde as pessoas estão cada vez mais jogando adiante a chamada velhice. Alguém construiu uma formação desse nível e em menos de vinte anos está longe das atividades docentes. Foi somente hoje, diante da pergunta se ele estaria morando novamente aqui na cidade é que de repente algo me deixou intrigadíssima. Por que um porfessor com tal gabarito e experiência é aposentado quando está no seu melhor momento? Comentei então o fato com meu filho que estuda na Faculdade daqui, pois ele já se referira outro dia à titulação dos seus professores e a outros aspectos que fazem com que sejam contratados ou não, especialmente nas particulares. E me dizia ele que aqui na Faccat existe um número quase absoluto de professores doutores (algo inusitado), ao passo que na Unisinos (região metropolitana), faculdade conceituada e antiga criada por jesuítas ainda na década de sessenta, o número desses profissionais doutores é mínimo, só cumprindo o exigido para manter-se como instituição universitária. E o motivo é bastante entristecedor, são instituições muito caras como a Unisinos que aposentam e não dão mais oportunidade a professores que atingem o tempo de serviço, pela simples razão de que financeiramente falando isso não é interessante. Um professor doutor com carreira longa é muito caro para quem deseja o máximo de lucro no seu empreendimento. Um luxo muito dispendioso na visão desses bons administradores de empresas educacionais. E o nosso amigo professor outro dia estava aí no centro tomando seu cafezinho com a mulher quando ela me falou, sob o olhar sério e um tanto distante do Tio Bebo, como o chamam ainda os meus meninos já bem crescidos, ( pronúncia de criança para Weber), que o tinham convidado para umas palestras lá em Floripa, mas que ele teria muitas despesas e era uma atividade honorífica, ou seja, sem vínculo com a grana.
Então fico a pensar nesses homens e mulheres que são os cérebros do país, gente que estudou muito, vivenciou muito, escreveu e publicou livros, e de repente está alijado de suas tarefas. Entendo que seja bom e justo, e que como todo mundo tenham o seu afastamento ao final de um período de trabalho. Mas penso que poderia haver uma iniciativa de governos para que tais pessoas pudessem continuar prestando serviços à educação e que isso não fosse somente à base de filantropia, afinal, como o meu amigo Weber, convites, honrarias, isto é muito bom, mas tudo tem um custo.
Este é um grande senão a ser corrigido. Investir em cérebros parece algo que ainda não teve lugar nas prioridades por estas paragens. Enquanto isso decretamos a exoneração de pessoas na sua melhor hora, as faculdades grassam por aí como negócio próspero, e até os prórprios profissionais constroem feudos nas federais aonde se impede a entrada dos indesejáveis concorrentes e em todas elas há a questão do "alinhamento" nas posturas, dependendo dos grupos dominantes, além de outras idiossincrasias por conta de excentricidades e sabe-se lá mais o quê. Exemplo disso é que pessoas muito diferentes no sentido de independência nas idéias, postura desafiadora, inovadora em certos aspectos, não são benvindas especialmente nas instituições particulares , aonde prefere-se a que linha de pensamento permaneça um tanto conservadora, digamos assim. Dessa forma, houve um professor que era uma grande sumidade, em pleno vigor do seu desempenho e capacidades, que improvisava coisas como quebrar uma pedra em plena sala de aula, para melhor mostrar algo sobre o assunto e se apresentava de um jeito irreverente nas idéias e posturas, apesar de ser alguém aparentemente inofensivo em questões doutrinadoras. Só que a sua presença parecia ferir os postulados da "filosofia" de uma certa instituição e assim foi que ele próprio resolveu se afastar, privando os alunos de um convívio rico e diferenciado.
Seria esse um problema diagnosticável também além fronteiras? Mas fica tal aspecto para um momento posterior. Primeiro é preciso pensar em como não dispensar essa gente em pleno vigor da sua potencialidade intelectual e humana. Vamos lá Tio Bebo, quem sabe um prefaciozinho aí num livro meu?